4. Ao ler estas narrações da criação, iluminados pela posterior revelação, podemos identificar os principais dinamismos constitutivos da sexualidade humana:
* É uma sexualidade relacional. Só se descobre verdadeiramente o que é ser homem e ser mulher, numa relação mútua de amor. O homem (ser masculino) é homem para a mulher e esta é-o para o homem. O sentido profundo da sexualidade humana é indelegável desta relação. Qualquer expressão solitária da sexualidade ou a sua vivência entre pessoas do mesmo sexo, acabam por ser a expressão da solidão humana.
* A sexualidade é um dinamismo de amor encarnado. Na comunhão de amor entre o homem e a mulher, consegue-se a síntese harmônica entre a dimensão espiritual e a corpórea do amor. O corpo é uma linguagem de amor, símbolo de comunhão, sacramento da harmonia. Mas a densidade espiritual será sempre característica de todo o amor.
* Expressão de intimidade. Todo o amor constrói uma experiência de intimidade, que passa pela revelação como dom da própria intimidade, em ordem ao conhecimento mútuo, à contemplação do outro, à unidade de dois seres num só. Na sexualidade humana, a intimidade dos corpos não se pode desligar da intimidade espiritual, mas o dom do próprio corpo pode significar a entrega do coração e a alegria da comunhão. A intimidade supõe generosidade e sentido do dom; tudo é oferecido, para tudo ser recuperado na alegria da unidade. A busca egocêntrica do prazer atraiçoa a sexualidade como dinamismo de intimidade. A revelação cristã abre-nos para o verdadeiro horizonte desta busca da intimidade de comunhão, na medida em que nos revela que a verdade definitiva de uma relação íntima entre duas pessoas é realização do mistério de comunhão, impossível sem a intimidade com Deus.
* Dinamismo de fecundidade: segundo a narração do Gênesis, a vivência da união sexual entre o homem e a mulher foi fecunda e deu como fruto um filho. O homem conheceu Eva, sua mulher: ela concebeu e deu à luz Caim e exclamou: adquiri um homem pela força de Deus (Gén. 4,1). Imagem de Deus, o homem e a mulher, plenitude da humanidade na sua relação de amor, tornam-se colaboradores de Deus no dom da vida. A união sexual, expressão da comunhão de amor, é sempre aberta à comunicação da vida, porque segundo o plano de Deus, a vida brota do amor.
Esta abertura da sexualidade à comunicação da vida tem sido posta em questão pela cultura, originando uma discussão ética. O centro da discussão reside nisto: podem o homem e a mulher, pelos meios que a ciência e a técnica foram pondo ao seu alcance, fechar temporária ou definitivamente a sua sexualidade à comunicação da vida? A inspiração revelada da sexualidade diz-nos que isso não é ético, o que não significa que cada união entre o homem e a mulher se justifique apenas pela comunicação da vida. O planeamento da fecundidade física pelo casal faz parte do amor e da generosidade com que é vivida toda a relação de intimidade.
* Um tesouro ameaçado: a vivência da sexualidade insere-se no crescimento do homem no amor, luta de todos os dias e de toda uma vida, atraído pela verdade, ameaçado pela fragilidade. É uma construção generosa de vitória sobre os possíveis desvios, que nós cristãos sabemos ser impossível sem a graça de Deus.
O Livro dos Gênesis, enquanto narração de origem, inclui esta fragilidade da sexualidade no próprio dinamismo da criação. Há um contraste entre a inocência e o sentido de culpa. O mito da árvore da ciência do bem e do mal sugere-nos que a vida amorosa do homem e da mulher tem uma dimensão moral. Dificilmente o homem acertará com o caminho do bem, se não vive a sua sexualidade como dom e obediência ao plano de Deus.
O texto fala-nos da inocência original: ora os dois estavam nus, o homem e a mulher não tinham vergonha um do outro (Gén. 2,25). Todo o verdadeiro amor é inocente; esta inocência original é o anúncio da verdadeira inocência, dom do Espírito de Jesus ressuscitado; é a inocência baptismal anunciada.
Mas o texto mostra logo a seguir como essa inocência original é um tesouro ameaçado. O homem acusa a mulher, não seguiram o plano de Deus e passaram a ter vergonha da sua nudez (cf. Gen. 3,7ss). Quando o homem e a mulher se escondem um do outro, é a sua comunhão de amor que está ameaçada.
Quais são as grandes ameaças à verdade da sexualidade humana? Resumem-se todas a uma: a tentação da sua vivência fora da beleza e da exigência de uma relação de amor. A procura da expressão sexual como auto-fruição egoísta de prazer e bem estar; o não perceber que, numa relação de amor, a vivência da própria sexualidade é um dom feito ao outro; o desligar a dimensão física da sexualidade da ternura e da intensidade espiritual da comunhão; o desligar forçadamente a vivência da sexualidade da generosidade do dom da vida. Porque se trata da construção generosa da comunhão, a vivência positiva da sexualidade supõe a força de Deus, pois só Ele nos torna capazes de crescer no amor, até à beleza da caridade.