Nestes dias o povo brasileiro festeja, com exuberância de folclore, a festa de São João Batista. É bom que o povo tenha motivos de alegria. Mesmo os fugazes, frutos de efêmeras vitórias esportivas. Mais ainda, os que brotam de longa tradição, como é o caso dos festejos de São João. A alegria dos simples encontra o seu fundamento na garantia do Evangelho: seu nascimento será alegria para todo o povo.
Na verdade, o povo celebra o nascimento de João Batista. Faltaria celebrar também sua morte. Pois a morte deste grande profeta tem um recado especial para o momento que hoje o Brasil vive.
João pagou com a vida a denúncia corajosa dos desmandos de sua época.
Com o vigor de sua autenticidade e da austeridade dos seus costumes, advertia a todos, alertando para a urgência da mudança de mentalidade e de posturas éticas. Ninguém ficava fora de suas admoestações. Desde o povo simples, que se impressionava com as palavras do austero profeta, até as autoridades religiosas, que se inquietavam com a influência exercida por alguém desprovido de incumbências formais, mas cheio de uma autoridade moral incontestável.
Mas foi o confronto com a política que levou o profeta ao testemunho radical de sua vida. Diante de Herodes, não teve medo de interpelar sua conduta. Com o dedo em riste, teve a coragem de lhe dizer com clareza: Não te é lícito!.
Assim, colocava com clareza o pressuposto ético, de que a política também precisa ter parâmetros que lhe definem a legitimidade, e critérios que lhe apontam os procedimentos. O poder, por sua natureza, mais que qualquer outra situação humana, precisa de balizamento ético, para não se tornar instrumento da prepotência ou agente da decadência moral da sociedade.
Recuperar o vigor da ética, para que ela tenha incidência prática sobre o procedimento humano em todas as esferas da vida, é uma urgência que se impõe, diante da falência social a que assistimos hoje. Como fazer?
João Batista nos dá um testemunho válido. Ele se imbuiu de austeridade e de autenticidade. E urgente voltarmos à sobriedade e à busca prioritária dos valores básicos da existência, sacudindo frivolidades que nada ajudam para a vivência salutar das pessoas.
João se retirou ao deserto. Era o contexto do projeto original do povo, que precisava ser resgatado. Esta a intuição do profeta. Esta a necessidade que também temos. E urgente mergulhar nas águas de nossa trajetória histórica, para recuperarmos o projeto de nação, que corre o risco de ser diluído por veleidades de uma globalização superficial, irresponsável e traidora de nossos valores históricos.
João se afastou da vida do povo. Mas não para se alienar. Ao contrário, para ter mais autoridade de fazer os questionamentos que se faziam necessários. Muitos pedem que a Igreja se afaste da política. Não pensem que assim ela não tenha uma palavra a dar. Ela será tanto mais vigorosa quanto mais coincidir que as urgências éticas que precisam ser feitas hoje para os políticos.
Diante de Herodes, João foi incisivo e contundente. Não se amedrontou com o tirano. Pouco importa a incidência concreta da advertência do profeta. Naquela oportunidade, na mira da acusação estava Herodíades, a adúltera corrupta e corruptora. Era o desvirtuamento que estava em causa.
Hoje é a corrupção eleitoral que torna a política a grande prostituta, que corrompe a sociedade e desvirtua a cidadania.
Eliseu suplicou o manto de Elias para continuar a missão profética. Hoje precisamos revestir-nos do vigor ético e da coragem de João Batista para denunciar a corrupção política. Para que o povo tenha a esperança de ver brotar do deserto um novo caminho de vida.