Neste mês do Natal, a revista Família Cristã de Portugal preparou um artigo especial sobre os Anjos. Os seres celestes são criaturas que Deus colocou ao serviço dos homens, como mensageiros e protectores da humanidade.
O teólogo H. U. von Balthasar (1905-1988) escreveu: «Os anjos acompanham toda a vida de Cristo: aparecem por cima do presépio resplandecentes pela descida de Deus até junto de nós; aparecem também na Ascensão como lampiões no caminho da nossa subida até Deus».
Com efeito, podemos lembrar o anjo da anunciação: a Zacarias (deixando-o mudo por não ter acreditado no que lhe dizia); a Maria (o mesmo arcanjo Gabriel) que tece um diálogo salvífico com a Virgem de Nazaré. Grande sorte, na verdade, foi a de Maria (e igualmente nossa!), que respondeu ao Arcanjo como realmente convinha: ouviu-o, percebeu-o, interrogou-o, respondeu-lhe, disse-lhe «sim» e, finalmente, confessou-se escrava de Deus! A partir daqui, «o anjo deixou-a» e levou a certeza de que Deus podia fazer d Ela tudo o que quisesse, pois onipotente é o Seu Nome!
E o Anjo dos sonhos de S. José? José, noivo da Virgem Maria, encontrava-se de facto numa situação bem delicada. Era um noivo consciente da sua sorte de ser o esposo prometido a uma noiva do «nível» da Virgem Maria; mas, de um dia para o outro, o Diabo teceu-as; as trevas caíram. Afinal, ainda antes de terem coabitado, vem a saber que sua noiva não só já não é «virgem», mas até está grávida. É no contexto dum drama como este que um anjo o acorda e o esclarece que se Maria, sua noiva, está grávida, «é por virtude do Espírito Santo» e que «o Filho que dela vai nascer» será «Santo e Grande» como Yahvé, o Altíssimo.
Numa outra ocasião, estando José, o carpinteiro de Nazaré, preocupado com a sua vida e o futuro da sua família, na cidade de Belém, eis que de novo um anjo lhe fala num sonho, a sugerir-lhe uma solução: «José, foge para o Egipto com o Menino e sua Mãe; fica por lá até que eu te avise, até ao tempo em que Herodes já não vos poderá fazer mais mal». Com amigos assim para as ocasiões, como o anjo de S. José, é claro que a vida há-de correr bem!
Falta-nos ainda lembrar outro episódio entre os mais líricos e mais famosos: há anjos, muitos anjos, pois formam um coro, por cima da gruta de Belém onde nasceu o Menino Jesus! É noite cerrada de Inverno gelado. Pela serrania sente-se o frio, cai a neve e o vento assobia. Num primeiro momento não há ninguém para receber neste mundo o Deus-Menino. Apareceu então um coro de anjos, vindos do céu, que cantavam: «Glória a Deus Altíssimo e paz na terra aos homens que Ele acaba mesmo agora de dar provas de amar», porque nasceu o Deus-Menino!
O canto dos Anjos ouvia-se por toda a planície; Era alegre e acordou a noite toda. Nos casebres dos arredores da cidade bem depressa despertaram pastores curiosos, que quiseram ir ver. Antes de chegarem ao sítio donde vinha o canto, encontraram-se com multidões de outros anjos que também cantavam e anunciavam o que acontecera ali bem perto: «Ide ver o Deus-Menino que acaba de nascer. Isto servir-vos-á de sinal: encontrareis uma gruta e dentro dela um casal que agasalha o Deus-Menino; glória a Deus nas alturas!».
Desde o Génesis ao Apocalipse
Em toda a Bíblia encontramos Anjos. Há o querubim empunhando uma espada em chamas, colocado como guarda do paraíso terrestre, que expulsa os nossos primeiros pais, Adão e Eva. Há depois histórias de anjos, de muitos anjos, com frequência em número de 7, característica que se encontra principalmente no livro do Apocalipse.
Note-se que o vocábulo al ak, significa mensageiro (traduzido em grego por ànghelos, donde o nosso anjo); e aparece no Antigo Testamento pelo menos 215 vezes! Este facto oferece-nos a ocasião de fazermos uma consideração muito geral sobre este fenómeno.
Por um lado, existem passos na Escritura em que o anjo quase se dissolve sob o perfil daquele que o envia, ou seja, de Deus. Se lermos, o livro do Génesis nos capítulos 18-19, descobriremos que os três homens que aparecem a Abraão, se convertem em «dois anjos» quando decidem ir ter com Lot, a Sodoma. Eles são quase uma imagem «visível» de Deus invisível.
Algo parecido se passa também com Moisés no monte Sinai: na sarça ardente aparece «o anjo do Senhor», mas imediatamente depois diz-se: «O Senhor viu que Moisés se aproximara e Deus chamou-o do meio da sarça ardente» (Êxodo 3,2.4). Nalguns casos, o anjo é o que se convencionou chamar um «antropomorfismo», ou seja, um modo simbólico de falar, representativo da revelação de Deus. É como uma forma de falar para tornar Deus visível, sem ofender a sua invisibilidade e transcendência.
Em muitos outros casos, porém, os anjos aparecem com uma identidade própria e com nome. Pensemos no «anjo da guarda» e companheiro de viagem de Tobias (cf o Livro de Tobias). Pensemos no anjo castigador que, em Macabeus 3, fustiga o arrogante e sacrílego Heliodoro, ou no anjo batalhador,Miguel, e no anjo intérprete das visões, Gabriel, presente em Daniel e naAnunciação (Lc 1, 19.26). Pensemos também nos anjos que aparecem no episódio das tentações de Jesus: «Deus ordenará a seus anjos a teu respeito que Te guardem com cuidado» (Lc 4,11) ou também no anjo consolador no Getsémani ou no anjo de Paulo presente durante as suas perseguições apostólicas (Actos 18,9-10 e 27,23-24), e ainda nos anjos mensageiros (como os do Natal) da ressurreição (cfr Mateus.28,2-3; Lucas 24,3: «dois homens com roupas brilhantes»).
Mas se os leitores quiserem saber onde a Bíblia descreve a criação dos anjos e a rebelião de alguns deles destinados a serem o diabo com os seus anjos (Mateus 25,41), então, diferentemente dos escritos apócrifos, a Bíblia canónica é sóbria. Certamente que os anjos são criaturas de Deus, mas nas duas páginas da criação (Génesis 1 e 2-3) não se diz quando foram criados. Fala-se da criação do homem, mas não se fala da criação dos anjos. A serpente é identificada com o Diabo não pelo Génesis, mas pelo livro da Sabedoria (2,24).
Também no que se refere à queda dos anjos, as Escrituras inspiradas são reticentes e apenas alusivas (Génesis 6,1-4). Na Carta de Judas 6 fala-se apenas de anjos que não conservaram a sua dignidade, mas abandonaram a própria morada; o Senhor os mantém presos eternamente nas trevas, para o julgamento do grande dia.