São tantos os sinais estranhos que Deus envia para nós que nem sempre somos capazes de decifrar e ler com atenção. Santidade não é matemática e nem projeto de engenharia, em que tudo está calculado e deve dar certo porque senão o prédio cai. Os santos são normais, equilibrados enquanto é possível, e o encontro com Deus, pessoal, íntimo, não raramente desequilibra tudo o que nós chamamos “fonte de equilíbrio”.
Sempre me deparei com o apóstolo Paulo que, com coragem destemida – e ninguém pode duvidar de sua sinceridade -, nos pergunta com uma certa veemência: “onde estão os sábios deste mundo no seguimento de Cristo? Os que eram considerados estultos, loucos, Deus os tomou para os transformar em verdadeiros profetas e faze-los sentinelas corajosas nas praças da cidade, para que se coloquem em guarda contra todos os perigos.
Deus às vezes pede aos profetas sinais tão fortes que os mesmos profetas ficam sem saber e tentam se rebelar diante da proposta de Deus, mas não conseguem, uma força maior do que eles os obriga a seguir os ensinamentos do Senhor. O Senhor diz para o profeta dar sinais, como colocar no seu pescoço um jugo de boi e sair pela cidade, para que o povo veja que está escravo e que é tempo de sacudir todos os jugos e se libertar. A única libertação não será a força das armas, mas da volta ao Senhor.
É Ele e somente Ele que poderá salvar o seu povo de todo o mal que está acontecendo. Disse para o profeta Oséias: “casa-te com uma prostituta!” Não adianta as reclamações do profeta, Deus permanece firme na sua ordem, para que o povo possa crer que se prostituiu aos deuses e abandonou o verdadeiro Deus. E agora está à mercê de tantos deuses e é como uma verdadeira prostituta, que não tem mais alguém a quem pertencer de verdade. E o profeta, embora a sua repugnância, vai e faz como Deus lhe tinha ordenado e o povo compreende e se converte.
São tantos os sinais estranhos que Deus envia para nós que nem sempre somos capazes de decifrar e ler com atenção. São mortos moradores de ruas, espancados, trucidados e não sabemos decifrar o que Deus quer dizer com isso. Vemos torturas, mortes e guerras e achamos que tudo é ficção e são fogos de artifício para clarear as noites da vida. Vemos uma onda que cresce e que quer eliminar friamente todo feto anormal, para que tenhamos uma raça sem defeito, e podemos correr o risco de ver nisto o avanço da ciência ao serviço do bem estar da humanidade.
Na espiritualidade russa existem os que são chamados os “loucos de Deus”. São pessoas consideradas normais que um belo dia, tomadas pelo Senhor, assumem atitudes estranhas, se vestem como acham melhor, vão errantes pelas cidades, dizem o que acham que deve ser dito e condenam em voz alta os abusos das autoridades e mesmo da estrutura da Igreja, e não se deixam amedrontar por nada. Ninguém sabe o que está acontecendo no cérebro dos profetas e dos místicos. Eles na verdade são os verdadeiros psicanalistas que nos “psicanalizam” e fazem análise do nosso profundo subconsciente, e nos dizem sem rodeios o que não queremos ouvir.
Eles, analisando-se e espelhando-se no mesmo Deus, vão percebendo que a mentira não tem espaço e que a ambigüidade é funesta, e por isso assumem atitudes novas e provocantes. Na vida destes loucos de Deus não dá para dizer o que é normal ou o que ultrapassa a normalidade. Eu pessoalmente cheguei à conclusão que eles são os verdadeiros “normais” e nós, autênticos anormais, que para não sofrer nos escoramos em todas as estruturas e nos vigiamos e censuramos sobre tantas coisas que devemos e não devemos fazer.
O maior medo que se aninha no coração humano é o de escandalizar, quando a vida é um verdadeiro escândalo, onde só alguns, rompendo todas as barreiras do social e assumindo o único ideal, Cristo, assumem a verdadeira e autêntica liberdade de filhos da vida. Os loucos de Deus são homens e mulheres que, sentindo-se amados por Deus e percebendo que Deus os convida a serem fiéis, tomam a palavra de Deus ao pé da letra e vão em frente.
Afinal, não foi o próprio Jesus que foi considerado “louco” e os parentes que se achavam normais obrigaram Maria, também louca segundo eles porque deixava o filho dizer e fazer coisas que eram fora do normal, para que fosse e pegasse Jesus com força e o levasse de novo para casa? Mas nem Maria e nem Jesus, pressionados por tantas pessoas, deixaram de obedecer à voz de Deus e continuaram o caminho da santa loucura.
Até que Francisco era normal, vivia como playboy e ia de bar em bar cantando, quando se tornou louco, deixou tudo e foi casar-se com a senhora pobreza. Quando Teresa era normal, estava tranqüila no Carmelo da Encarnação, então lhe deu a loucura de fundar Carmelo. Foi considerada histérica e mulher “desocupada e errante”. Quando João da Cruz era normal ninguém dizia nada dele, quando se apaixonou por Cristo, o resultado foi a cadeia. Tenho certeza que, se ainda sou muito normal e por isso não faço muitas coisas, é porque Deus não entrou na minha vida.