O homem está em perigo. Ao mesmo tempo em que, com sua inteligência e com suas mãos, submete a si toda a criação, cumprindo o desígnio de Deus, por outro lado, perdeu o domínio de si mesmo. Dominou o átomo e as estrelas, mas perdeu o controle do seu universo interior, como nos fez ver Michel Quoist, no livro Construir o homem e o mundo. Por isso, corre sério risco de frustrar a própria existência e a do mundo que lhe foi confiado por Deus. Pela ciência e pela tecnologia domina cada vez mais o mistério das coisas criadas, mas perdeu o domínio do seu próprio mistério.
Não sabe mais quem ele é; perdeu a sua identidade. Não sabe mais o sentido esplêndido da sua vida e desconhece toda a riqueza do seu ser, feito à imagem do próprio Senhor que lhe deu a vida. É capaz de submeter a si a matéria, mas se torna escravo dela, por não ter o espírito livre. Sem o domínio do espírito sobre a matéria, e da ética sobre a técnica, o homem agoniza, vive de cabeça para baixo, ou se arrasta pela vida afora, como diz Quoist. Sem a supremacia do espírito a conduzir o homem, não há mais homem; a vida será totalmente mutilada. Será apenas uma caricatura de homem. E não é isso que Deus quer de nós.
Ao contrário, Ele nos quer perfeitos, verdadeiras imagens de Jesus Cristo, modelo de cada homem (Rom 8, 29). Sem a supremacia do espírito o homem cega a própria inteligência, cala brutalmente a voz da consciência, transforma o dom precioso da liberdade em libertinagem doentia, joga na lama a própria dignidade, embrutece a sensibilidade. Já não é mais homem, é um animal perigoso… Quando o espírito agoniza, o homem corre perigo, pois as obras maravilhosas que construiu com a inteligência e com as mãos se voltam contra ele e o escravizam.
As civilizações caem porque o espírito é esmagado pela matéria. E hoje, também, as facilidades do mundo moderno oferecem ao corpo todas as formas de prazer (hedonismo), e ao espírito o orgulho do ´poder´ e do ´ter´, destruindo a própria identidade do homem. Os frutos dessa desordem são imensos e estão aí bem diante de nossos olhos: uma permissividade moral nunca vista antes, uma avalanche de crimes, drogas, estupros, seqüestros, roubos, delinqüência juvenil e infantil, choros e lágrimas abundantes… É a família que se destrói; é o aborto que é praticado aos milhões; são os filhos educados sem os próprios pais; é o crescimento assustador das doenças mentais; é o crime e a corrupção que campeiam em todas as classes sociais; é o flagelo da AIDS; é a fome; a exploração do irmão pelo próprio irmão; é a violência e a morte… Enfim, é o pecado.
É o rompimento com Deus e o não dito a Ele na observância dos seus mandamentos. O Apóstolo já advertia há vinte séculos: O salário do pecado é a morte (Rom 6,23), e o Senhor avisava: De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se vem a perder a sua alma? (Mt 16,26). Como disse Quoist, é preciso refazer o homem, para que o universo por ele seja refeito na ordem e no amor. Ou, como disse Bergson, dar ao homem um suplemento de alma. Quanto mais ele se desenvolve, mais precisará da luz do espírito e do amor, para que não seja sufocado pelas facilidades que descobre, para não fazer delas um fim em si, para não se apegar a elas como um fim, em detrimento dos irmãos. O homem moderno, porque ignora Deus e construiu um mundo onde não há mais lugar para Ele, destruiu o seu equilíbrio interior e exterior. Rompeu a harmonia com os irmãos e com o mundo criado e como conseqüência, rompeu a harmonia consigo mesmo. Vários séculos antes de Cristo, Aristóteles já sabia que o homem é um animal religioso. Quando ele nega o Deus único e verdadeiro, passa então a adorar os ídolos e a si mesmo.
O seu drama atual consiste em adorar a Deus ou a matéria. E ninguém serve a dois senhores (Mt 6,24). Infelizmente o homem escolheu adorar a matéria. Está dilacerado e condenado à luta contra os seus próprios irmãos. Por isso, está em perigo! Jesus se fez homem e veio a nós para refazer o homem. Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida… (Jo 14,6).
Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância (Jo 10,10).
Sem Mim nada podeis… (Jo 15,5).
Deixo-vos a minha paz, dou-vos a minha paz, eu não vo-la dou como a dá o mundo… (Jo 14,27).
São Tomás de Aquino já dizia: quanto mais o homem se afasta de Deus, mais se aproxima do seu nada.