Termina a XVII Copa do Mundo-2002, promovida pela FIFA. Com as facilidades de comunicação, milhões e milhões de pessoas nos mais distantes rincões envolveram-se vivamente nas partidas de futebol! Quantas alegrias e também decepções, à medida em que se aproximava a fase final! Vejo o evento pleno de grandes riquezas e valores, sem excluir sombras. Esta ocorrência, que ultrapassa os limites de um país e abrange todo o planeta, bem merece uma reflexão.
De 4 em 4 anos, cada vez com maior intensidade, este acontecimento oferece a todo o mundo uma oportunidade de aproveitar devidamente de fator fundamental na vida dos indivíduos e das nações: o contentamento que não fere a consciência moral. Ele se torna valioso fator de fraternidade entre os povos.
Na Antigüidade, a alegria estava associada ao culto orgíaco. Por isso adverte Oséias (9,1-4): Não te alegres, Israel, não exultes como os povos! Porque tu te prostituístes longe do teu Deus. A felicidade verdadeira tem origem na observância das diretrizes do Senhor. A Sagrada Escritura está pontilhada de expressões que valorizam esse sentimento. O Apocalipse (19,7) nos convida: Alegremo-nos e exultemos. O cristão tem o direito de usufruir do prazer na vida, pois vem de Deus e a Ele nos conduz.
Em nossos dias, as falsas explosões de sentimentos, pelo contrário, põem em evidência o outro lado da Humanidade com a decomposição moral, crescente e profunda, que destrói o caráter. E, como na grande maioria dos casos, está presente, de uma ou outra maneira, uma errônea concepção da sexualidade, faço duas citações que indicam com clareza o que há de nobre quando nessa matéria se observa a lei de Deus. O Concílio Vaticano II, em Gaudium et Spes (49, § 2º) ensina: Os atos com os quais os cônjuges se unem íntima e castamente são honestos e dignos (…) os esposos se enriquecem com o coração alegre e agradecido. A citação seguinte é do discurso do Papa Pio XII, a 27 de outubro de 1951: O próprio Criador (…) estabeleceu que, nesta função, os esposos sentissem prazer e satisfação de corpo e de espírito. Portanto, eles não fazem nada de mal em procurar este prazer e em goza-lo. Aceitam o que o Criador lhes destinou. Contudo, os esposos devem saber manter-se nos limites de uma moderação justa.
Em um ambiente conturbado por tantas violências, em meio a preocupações, sofrimentos e angústias aqui e alhures, a expectativa de alcançar a vitória desejada, a participação coletiva nos eventos, a alegria quando se vence, inclusive o enfrentamento das desilusões, em caso de derrota, são uma válida contribuição ao equilíbrio psíquico, pessoal a social. Para quem participa da Copa ou mesmo se não lhe apraz os jogos esportivos, é bom recordar as palavras de São Paulo, que as utiliza na pregação do Evangelho. Assim fala o Apóstolo (1 Cor 9,24-27): Não sabeis que aqueles que correm no estádio, correm todos mas um só ganha o prêmio? Correi, portanto, de maneira a consegui-lo. Os atletas se abstêm, de tudo; eles, para ganhar uma coroa perecível; nós, porém, para ganhar uma coroa imperecível.
O Concílio Vaticano II (Gaudium et Spes, 61) marca o apoio da Igreja aos esportes: contribuem para manter o equilíbrio psíquico, mesmo na comunidade, e para estabelecer relações fraternas entre os homens de todas as condições, nações ou de raças diferentes. Nessas semanas, nações inteiras receberam exemplos válidos de comportamento e atitudes corretas. Povos distantes, de costumes diversos, se confraternizavam em torno de algo nobre, qual seja o espírito esportivo, que se baseia na obediência a regras, na convivência digna e no respeito mútuo. Passado o calor das disputas, adversários momentos atrás, se confraternizam através dos abraços e trocas de camisa. O amor à Pátria, simbolizado no respeito por ocasião dos Hinos dos países envolvidos na peleja e a lealdade na busca da vitória são lições eloqüentes de como os homens devem conviver. As falhas cometidas, não só recebem a condenação, mas revelam a importância da educação doméstica, necessária nesses momentos de exaltação. A grosseria e a deslealdade põem a nu o caráter de quem as comete. O auto-controle, que é adquirido desde o lar e no preparo para as competições, é de grande importância na vida pessoal e pública. A auto-disciplina, de que fala São Paulo, revela todo o seu valor na busca da vitória.
O jogador de futebol não deve ser avaliado pelo desempenho no campo, mas pelo comportamento dentro e fora do gramado. Como se torna um ídolo, especialmente de jovens, os atos reveladores de falta de caráter devem ser examinados na convocação para um prélio. Isso se aplica, de modo particular, na prática da lealdade e auto-domínio nos jogos. O mesmo se diga do juiz e seus auxiliares. O relacionamento dos jogadores com os aficionados do futebol passa a gozar de grande peso, pelo exemplo de sua vida, inclusive particular. Por essas considerações e tantas outras, a prática dos esportes, em geral e, de maneira particular, no futebol, desempenha um papel importante no comportamento pessoal e social.
Chegamos ao fim desse extraordinário evento esportivo. Ao lado de alegrias de uns, para outros resta uma lembrança das decepções e sofrimentos. A uma só equipe e seus seguidores, cabe o regozijo pleno pela vitória final. Para todos os participantes, uma recordação dos bons momentos vividos e o dever do aproveitamento das lições em favor de uma Humanidade mais unida e solidária, promotora da Paz e da Concórdia. E mais próxima de Deus, nosso Pai.
Cardeal Eugênio de Araújo Sales
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro