Os estudiosos não se interessam muito pelas poesias de Santa Teresa nem se preocupam da data em que cada uma foi escrita. Os teólogos têm muitas coisas mais importantes a investigar, a estudar, a ver, é compreensível. Mas nós, os teólogos de chinelo de dedo, que caminhamos pela mesma estrada de santa Teresa e que sentimos o claro do dia e o frio da noite e das “noites” que baixam em cima de nós por tantas coisas, desde as impressões, desilusões, sofrimentos. Não só experimentamos a bondade de Deus, sua misericórdia, como Santa Teresa, nos grandes momentos de intimidade com o Senhor, ou ela não nós nas visões, arroubamentos e matrimônio místico, mas no dia a dia, quando a cruz nos parece pesada, Deus se faz próximo de nós e como bom Cirineu, nos ajuda a carregar a Cruz.
Teresa de Ávila é “poetisa” de mão cheia e escreve poesia quando a força da palavra escrita não consegue expressar o que se passa dentro dela. Mística e poesia são meios que, na síntese mais forte do encontro com Deus e entre os seres humanos, dizem o que as palavras nunca poderiam dizer. Todo místico é poeta, embora que nem todo poeta seja místico no sentido cristão que damos a esta palavra, de alguém que, tendo feito a experiência do Deus vivo, a traduz como pode, com palavras que às vezes não são outras coisas que um pobre “balbuciar de um não sei quê”, como diz outro místico e poeta João da Cruz.
A poesia de Santa Teresa de Ávila “nada te perturbe” é bastante comprida. O refrão que todos nós sabemos de cor repete-se a cada estrofe. Quando Teresa escreveu esta poesia, em que circunstância? O tempo e circunstância fogem ao nosso conhecimento, mas o que podemos dizer é que não é uma poesia juvenil e nem dos primeiros anos de sua vida. Ela nos manifesta uma Teresa adulta, madura, provada e calejada na escola da vida, sofrida mas não desanimada. Cheia, quem sabe, de feridas por dentro e no corpo já cansado, mas que têm nela a firmeza da fé e da certeza que o Senhor é o Senhor da única esperança.
A poesia trata das coisas que vão acontecendo ou que aconteceram, lutas, incompreensões e barreira que querem impedir que a obra de Teresa se realizasse plenamente. O que resta diante de tudo isso a não ser a certeza de que, se Deus está conosco quem poderá estar contra nós? E “mesmo que um exército venha contra mim nada temerei, porque o Senhor está comigo”, como canta o salmista do salmo 26.
É bom podermos nos aproximar desta mestra da tranqüilidade adquirida através de tantas lutas e dissabores, e com ela aprender este pequeno “mantra”. Mantra, para as pessoas quem não sabem, são palavras ou frases pequenas que se repetem com constância até se tornarem uma força tranqüilizadora. O mantra teresiano pode ser muito bem:
“Nada te perturbe,
nada te assuste,
tudo passa.
Deus não muda.
A paciência tudo alcança.
Quem a Deus tem nada lhe falta.
Só Deus basta!”
Estas palavras, repetidas e assimiladas, nos dão o sentido autêntico do Deus amor. Hoje, mais do que nunca, somos assaltados pelo medo, pelo pavor que vem até nós com todas as conseqüências. Aliás, vivemos o medo de tudo que chamaria de “pavor”. Temos pavor que um belo dia nos encontremos desempregados e não tenhamos o que comer e como manter a família ou quem sabe o medo de doença que vai aparecendo aos mínimos sintomas. Afinal, há quem deva viver sobre as desgraças alheias. Medo de sermos traídos no amor e amizade por tantos anos vivenciada e que, por encanto não lhe diz mais nada e vai longe de tudo. Medo de nós mesmos que nos sentimos solitários e não sabemos a quem recorrer porque não temos mais ponto de apoio.
Teresa tem experimentado tudo isto e sabe que o “único que não falha”, o amor de todos os momentos é Deus. Nele podemos confiar, mesmo quando as noites se fazem mais espessas. Teresa, como mestra de vida espiritual, tem uma palavra eloqüente para os que vivem no medo. Eu posso dar testemunho que tenho muitos medos, mas o único medo que não tenho é que Deus me deixe sozinho porque ele me deu prova de que é amigo fiel.
O dia de Santa Teresa de Ávila foi também festa dos professores, e dos que querem aprender a rezar e que buscam segurança nas inseguranças humanas. Teresa quer nos repetir “nada te perturbe…” Tudo se pode perder, mas Deus jamais se perde. Que o mundo se vá, que as coisas vãs estejam fora de nós, que o volúvel se desfaça, mas que Deus fique para sempre.