Quando os discípulos pediram a Jesus que lhes ensinasse a orar, ele respondeu: ‘Quando orardes, dizei: Pai Nosso…‘. Movido certamente por um coração de Filho, não se omitiu naquele momento importante, transmitindo aos seus amigos mais achegados o transbordamento de sua afeição em relação ao Pai.
Talvez essa expressão tenha assustado os Apóstolos, pois, sendo judeus, em suas preces não pronunciam o nome de Deus e referindo-se a Ele como o Santo, bendito, o seu Nome. Na Sinagoga, há ainda hoje uma belíssima oração que inicia com a expressão: Nosso Pai e nosso Rei, dirigidas a Deus durante os dez dias de penitência, que antecedem o Dia do Perdão. É um dos textos em que Deus é chamado de Pai. Mas há sempre por parte dos orantes um reverente distanciamento, um temor de respeito.
Os evangelhos mostram a íntima relação entre Jesus e o Pai, de modo sempre afetivo: Pai Querido, Papaizinho (Abbá), Pai Justo, Pai Santo… e outras. E, assim, Jesus nos dá uma imagem diferente do Deus vétero-testamentário, descrito como distante, em alto trono, terrível e juiz vingador. Jesus ao contrário, revela um Pai misericordioso, notadamente, nas parábolas: um Pai que perdoa e que faz festa. Mostra um Pai que se desdobra em atenções providentes e carinhosas. Solícito para todos os filhos: nada poderá faltar na vida deles.
Há sempre uma figura paterna que encanta a vida de cada um de nós. Uma figura que ilumina a vida, porque se torna referencial de dedicação, renúncia, retidão moral e entrega incondicional de amor aos seus. É uma boa recordação pensar nele, sentir saudades…
Posso evocar aqui a personalidade de um pai especial, pai como protótipo de tantos outros, ainda melhores e mais sugestivos, talvez. Ele era um trabalhador incansável. Quase sempre o primeiro a se levantar para se dedicar à família e aos que precisassem dele.
Havia quem o visse muitas vezes severo, mas traduzia um rigor que procurava aplicar a si mesmo e, assim, poder exigir dos demais. Era preciso, até mesmo, superar-se quando a necessidade de uma palavra mais forte ultrapassasse as fibras de um coração sensível de menino. O dever da orientação segura o exigia, embora o remédio fosse amargo…
Era sempre o último a se recolher, depois de verificar se tudo estava bem fechado, se ninguém havia esquecido alguma coisa fora do lugar, se as luzes estavam desligadas. Seu último ato era fazer suas orações diante de um pequeno oratório, no ângulo do quarto e regular o despertador para o dia seguinte. Havia que se preparar para o dia seguinte.
Mesmo com o passar do tempo, quando a idade ia acarretando suas primeiras conseqüências físicas, ele nunca desanimou ou diminuiu seu ritmo. Parecia que até encontrava redobrado vigor, para mostrar aos mais jovens que o trabalho é um ideal e não um peso. Era um novo estágio de vida. Fase nova de uma vida, cheia de sentido: humano e divino.
O exemplo de honestidade e de caráter firmes, o modo simpático de encarar as dificuldades e resolver os problemas, a forma amiga de partilhar até mesmo suas limitações, ofereceram para todos nós um modelo e um grande incentivo. Era uma luz a indicar o rumo mais certo.
Quando olhamos para ele hoje, é possível, ainda, contemplar um vigor saudável de uma vida, conduzida sem excessos nem desregramentos: homem de fé. Viu o mundo se modificar e a Igreja continua sendo sua melhor resposta. Nunca desanimou com as mudanças que ocorreram, e nem sequer, viveu do passado com as nostalgias tão comuns entre os seus amigos e colegas de idade amadurecida.
Viu guerras, revoluções, experimentos que acabaram em desgraças para a humanidade, sem jamais deixar de acreditar nos seus filhos: procurou colaborar no que pode, para facilitar os estudos em boas escolas e faculdades. Pouco obteve com suas posses materiais; muito contribuiu com seu caráter e seu dinamismo. Sempre esteve ao lado dos filhos, torcendo por eles e defendendo-os com todas as suas forças.
Testemunhou ser homem de fé inquebrantável. Colaborou muito para que o Evangelho de Jesus Cristo fosse a melhor solução para todos os desafios da humanidade. Não perdia ocasião para defender esse seu ponto de vista.
Mesmo quando o mundo parecia tombado em ruínas morais por causa de tantas provocações, maus exemplos e instigações de certos meios de comunicação, ele sempre soube dirigir seu olhar para bem mais longe. De um invejável pensamento positivo, soube transmitir suas experiências às novas gerações, que o procuram para aconselhamento aparentemente uma simples visita de cordialidade pela amizade que manteve com tantos jovens. É pai também para eles e sente em seu íntimo com eles as mesmas angústias e sofrimentos; nunca soube esconder sua afeição pelas diversas classes de pessoas. Tem um coração amplo e universal.
Passou por algumas decepções, é claro. Quando seus conselhos não eram seguidos, fatalmente o resultado era uma catástrofe. Jamais retrucava com frases como: Eu não disse? Bem que eu avisei!. Apenas baixava o olhar e silenciava. Recolhia-se em prece eficaz e serena.
Ficava, logicamente, triste quando perdia algum amigo ou parente. Era evidente a sua dor, mas jamais sobrepôs a dor à sua fé na Ressurreição. Para quem sempre valorizou a amizade e o convívio, esses momentos de tristeza pessoal afetavam seu emocional, inevitavelmente. Nesses momentos, porém, preferia ficar a sós. Ficando a igreja bem perto da sua casa, não hesitava em buscar consolação com Aquele que é a própria misericórdia: o Cristo na Eucaristia.
Sempre teve um lado muito alegre, e não dispensava as oportunidades para festejar. Sempre que possível, atendia aos convites para festas de batizados e casamentos. Fazia um bem imenso vê-lo conversando com tantos amigos. Ria despreocupadamente, porém sem exageros ou escândalos. Tinha sempre um fato jocoso ou uma piada bem humorada para alegrar os ambientes. Vivia plenamente sua idade, seu espaço e seu tempo. Estava integrado no presente, sem menosprezo pelo passado.
Sempre foi um pai dedicado e ciente de suas responsabilidades. Cônscio dos deveres de seu estado, construiu ao seu redor uma verdadeira sociedade de exemplares famílias cristãs. Participou de todos os momentos mais importantes da vida de cada um. Roda de colegas e amigos.
Neste mês de agosto, esta figura me vem ao coração, acompanhada por uma prece, um hino de ação de graças. Hoje, em que sua figura vem sendo muitas vezes deturpada, injuriada e até mesmo caluniada, estas lembranças delineiam sua verdadeira imagem: intocável, quase sacral, digna de imitação.
Vocês, certamente acham, que estou falando de meu pai… Não, queridos irmãos e irmãs, falei do pároco de minha infância, pai da minha vida espiritual, irmão e amigo de todas as horas de minha formação humana, cristã, moral e espiritual. Deus o conserve!
Dom Eusébio Oscar Scheid
Arcebispo do Rio de Janeiro