Jogo inacabado

Nossa seleção ganhou todos os jogos, no tempo normal. A única prorrogação aconteceu na chegada ao Brasil. Foi só pisar o solo brasileiro, para os atletas perceberem que entravam num jogo mais complicado, com regras confusas, e com resultados difíceis de contabilizar. Terminada a longa recepção, ainda se discute quem ganhou, embora esteja bastante claro que muitos queriam ganhar com ela.

A vitória na copa veio como um presente inesperado. Um bálsamo a refrescar a aridez deste ano de apertos e de compromissos difíceis de resolver. Agora, terminou a copa. E’ evidente o incômodo que traz a necessidade de abandonar a fantasia do esporte, para cair na real. Mas é preciso entrar em campo. Não aquele bem definido, com quatro linhas traçadas com evidência. Mas o campo da conjuntura que compõe o cenário do país.

Se o assunto é futebol, a conversa flui fácil, todos opinam, todos entendem. Se falta assunto na roda de amigos, é só falar de futebol, que acaba o constrangimento, e todos se sentem convidados a participar da conversa. Passada mais uma copa, e depois de comprovado, pela quinta vez, que somos os melhores, estaria na hora de perguntar por que somos tão falantes em futebol, e tão reticentes em política.

Não é nenhum desdouro para este esporte, que saiu melhor do que os próprios ingleses imaginavam, certamente. Mas ele não pode ser desculpa para não querermos entender nada de economia, de agricultura, de comércio, de saúde, de educação, de transportes, de fome, de miséria, de polícia, de drogas, de terra, de água, de meio ambiente, de comunicação, de licitações, de contratos, de energia, de eleições, de política.

Estes assuntos são reais, e bem concretos. Deles depende nossa vida. E’ muito importante que sejam bem administrados, caso contrário, quem paga as conseqüências somos nós. Por que, então, nos interessamos tão pouco por eles? Existe outra diferença. No esporte, podemos até delegar as responsabilidades para uma seleção, que quando bem sucedida nos autoriza a assumir os resultados como se fossem nossos, e nos auto proclamamos campeões. Nestes assuntos, não. Eles dependem da ação de cada um de nós. Por que não os discutimos mais, para ver a maneira melhor de levá-los adiante com sucesso?
É fácil falar de futebol. Mesmo porque, na verdade, com ele pouco se perde e pouco se ganha. E’ um faz de conta. Que faz bem, se vem como acréscimo, depois que a vida real estiver bem resolvida.

Não precisamos esquecer o feito de sermos campeões mundiais. Ao contrário. Ele deve servir de motivação para enfrentarmos agora, com garra, outra convocação. No futebol o país se reconhece como viável e seu povo se vê dotado de excepcionais virtudes. E’ hora de reacendermos a esperança de, finalmente, ganharmos a batalha maior. Vencer a miséria e a fome. Superar a triste colocação de vice campeões mundiais em injustas desigualdades sociais, só à frente do pobre Botsuana.

Agora vai entrar, a contragosto de muitos, a conversa sobre as eleições. Todos os que deram palpite sobre a escalação dos atletas têm agora a oportunidade de decidir, de verdade, quem vai ser escalado para funções muitos mais vitais que o futebol. Bem que elas mereceriam mais atenção de nossa parte.

Dom Luiz Demétrio Valentini
Bispo da Diocese de Jales – SP
E-mail: domdemetrio@melfinet.com.br