A notícia do falecimento de um ente querido tira o mundo de nossos pés, nos deixa sem teto sob o qual podemos estar e sem chão para pisar. Nossos dias parecem não passar, como se fossem barcos parados. Nossas noites se tornam mais escuras.
Como voz de anjo, a mensagem de esperança ressoa em nosso coração, dizendo: O povo que jazia na escuridão viu uma grande luz (Is 9,1). Mediada pela nossa fé, essa luz nos vem, é a companhia do nosso Deus, que como brisa leve e transparente vem nos visitar, principalmente por meio da presença humana de cada amigo, até mesmo dos mais distantes. Nosso chão, que já não estava, passa a estar por meio do chão dos amigos, é como se eles nos emprestassem o chão nesse momento tão difícil, de dor tão intensa e demorada; pois a presença de quem se foi é tão real quanto o corpo que sob a terra jaz.
Cruamente falando, cada passo rumo ao enterro era como se fosse uma punhalada num coração sangrando sem parar, como se fossem flechadas no peito dolorido. Nesse momento, compreendemos a profecia dita pelo velho Simeão a Virgem Maria: Uma espada transpassará a tua alma (Lc 2,35).
Dom Alberto nos dizia: Velório de quem tem fé é diferente, pois é sem escândalo e desespero. Sabemos que essa diferença é fruto da nossa fé, da companhia de cada um e de tantos, próximos ou distantes. Do bálsamo suave, do abraço aconchegante, do silêncio orante, do olhar compenetrante e da lágrima que caía sem retorno.
Padre Fábio de Melo nos ensina que muitas vezes não temos o poder de mudar os fatos, mas sempre temos o poder de permitir que eles nos mudem e que o sofrimento bem interpretado e bem administrado nos torna mais humanos . Espero não perder nem um momento dessas lições e ter capacidade de gerenciar com humildade esse sofrimento. Pois, como nos ensina a doutrina cristã, a morte é o término de um caminho neste espaço-tempo, esta faz cair todas as barreiras para se irromper uma nova realidade, incapaz de ser vivida aqui. É o grande momento da travessia que nos conduz à plena realização, o lugar do verdadeiro nascimento do homem, seu nascimento para Deus e em Deus (cf. CIC – números 1010-1014).
Diante do verso bíblico: Em todos as circunstâncias, dai graças (ITs 5,18), pensava eu, na noite fria do meu quarto, que dar graças nesses momentos, que agradecer nesse contexto é tão difícil, em que muitas vezes a nossa visão se turva como nuvens em dias estranhos. Mas essa luz, que ainda brilha dentro de nós, como um mestre, nos guia nas veredas do agradecimento. Então encontro respostas e agradeço: agradeço primeiramente pela oportunidade de reunir a família, outrora dispersa com vínculos distanciados, como filhos distantes da mãe, hoje laços refeitos e vínculos aproximados. Outrora endereços e telefones trocados, velhos e errados, hoje acertados e entrelaçados num sonho em comum.
Ainda agradecemos os que vieram de perto e de longe, como pássaros voando e portando uma mensagem de paz, como brisa leve carregando em si mesma a mansidão da alma. O abraço cheio de calor e energia, impulsionando a vontade de vencer. Os pêsames, os sentimentos, as ligações, as mensagens pela internet e telefonemas. E aquelas ocultas no íntimo do coração, transformadas em preces.
Agradeço de forma especial à Igreja, que, como Mãe, nesse momento, nos toma em seus braços, nos acolhendo e entregando meu falecido pai nos braços do Grande Pai, seu lugar eterno. Ela o acolheu no batismo, o alimentou durante sua caminhada por meio do pão da Palavra e dos Sacramentos e agora o acolhe em seus braços para colocá-lo na outra margem, onde Deus mesmo estará com ele e enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem dor, porque passou a primeira condição. Pois o que está sentado no trono diz: Eis que faço novas todas as coisas(Ap 21, 4.5).
Tornei-me órfão de pai, mas filho de muitos. Pois temos lugares para estar, pessoas para nos olhar, mentes para nos iluminar, corações para nos sentir, palavras para nos acalmar, vidas a nos doar. Obrigado.