Não é a fé que nos dá a capacidade de amar. Deus criou-nos à sua imagem e, por isso, capazes de amar. Esta capacidade foi ferida pelo pecado e precisa de ser resgatada pelo amor misericordioso de Deus. A redenção restitui ao coração humano a sua capacidade de amar e eleva-o à plenitude dessa capacidade, amando a Deus e amando como Deus ama.
É na sua capacidade de amar que o homem se assemelha mais a Deus. O amor humano tem, em gérmen, todas as características do amor divino, embora não consiga, sem a graça, vivê-las em plenitude.
A atração: todas as experiências de amor inter-pessoal começam nesse sentir-se atraído pelo outro. De repente uma outra pessoa torna-se especial, porventura única, porque há nela algo que me atrai: a sua beleza, a sua bondade, a sua inteligência, o seu mistério. A atração do bem e da beleza está, quase sempre, na origem do amor. Nesse algo que nos atrai reconhecemos a nossa identidade profunda, os nossos anseios mais íntimos, a definição do nosso próprio ser. Começar a amar é deixar-se guiar por essa atração, em busca de uma relação. Jesus comparou o Reinos dos Céus a um tesouro que, quando se descobre, faz-se tudo para o alcançar. E fala de atração ao referir o amor dos discípulos para com Ele: Ninguém vem a Mim (isto é, me seguirá) se o Pai não o atrair (Jo. 6,44).
Só nos sentimos atraídos por alguém cuja realidade é atraente. A caridade começa sempre na atração de Deus. Jesus refere-se a isso quando nos diz que foi Ele que nos amou primeiro. A atração de Deus chega a ser tão forte que se torna irresistível. Sentir-se atraído é o primeiro convite a amar.
A revelação: a atração conduz-nos à pessoa amada. Mas o amor só começa se houver revelação. A beleza que nos atrai é escondida e misteriosa, cada pessoa guarda no segredo do seu coração o seu tesouro. E desvelá-lo ao outro é já atitude generosa do dom de si mesmo. Se aquele que me atrai me aceita e se revela, o amor começa. A palavra que revela, o gesto que anuncia, constroem o encontro progressivo entre pessoas que se amam. É por isso que o amor é a mais verdadeira fonte do conhecimento do outro. As pessoas que se amam aprendem a conhecer-se progressivamente ao ritmo do amor.
Esta exigência de revelação constitui uma das maiores dificuldades do amor humano. As pessoas querem amar e ser amadas, mas não estão dispostas a revelar-se, guardam os seus segredos, escondem o seu mistério. Por vezes esperam ou até exigem a revelação do outro, mas não estão dispostas a abandonar-se na confiança. Entre desconhecidos o amor não cresce, pode mesmo murchar e morrer. Por outro lado o conhecimento mútuo aumenta a atração recíproca.
Na experiência do amor de Deus, a Sua revelação é constitutiva do próprio amor. O Deus que nos atrai revela-se àqueles que o procuram. Revelando-se, Deus conduz-nos à intimidade com Ele; e quanto mais se revela, mais nos atrai. E ao desvelar-se a Si Mesmo, Deus revela-nos o seu projeto de amor para nós, o Seu desígnio de salvação. A sua Palavra é resposta de amor e luz que nos guia à plenitude da vida e do amor.
A contemplação: toda a verdadeira experiência de amor inclui momentos de contemplação. Ao entrar, pela revelação, na intimidade da pessoa que nos atraiu, a beleza agora experimentada leva à contemplação. Este êxtase de amor perante a pessoa amada é dos aspectos mais cantados pelos poetas. No caso do amor de Deus, este contemplar a pessoa amada chama-se adoração. É o Senhor teu Deus que tu adorarás e só a Ele prestarás culto (Mt. 4,10). Na nossa caminhada de fé essa contemplação adorante é apenas inicial. Ela intensifica-se ao ritmo do acolhimento da Palavra reveladora de Deus e dos dinamismos do Seu amor recebidos no íntimo do nosso coração, mas só no Céu ela será perfeita, pois só então conheceremos como somos conhecidos e veremos, não como num espelho, mas face a face (1Cor. 13,12).
No amor humano esta dimensão contemplativa exprime-se espontaneamente, ao ritmo do amor: o ficar encantado pelo outro, o sentido de gratidão tão próprio do amor, a harmonia e a serenidade interiores que brotam do amor, momentos de profunda comunhão envolvendo a totalidade do ser. Se nada disso acontece ou se tudo isso deixou de acontecer, é porque o amor foi semente que não germinou e planta que não floriu.