Quando nos colocamos na perspectiva da longa história da humanidade, concluímos que um ano, cem anos ou mesmo mil anos são quase nada. Na vida de uma pessoa, é diferente. Quantos livros seriam necessários para apresentar tudo o que vivemos ao longo de um ano? No final de nossa vida, teríamos uma verdadeira biblioteca diante de nós!
O que fazer para que nossa rica experiência não se perca? Como tirar proveito de nossas alegrias e tristezas, dos trabalhos feitos e das muitas conversas, dos projetos executados e, também, dos que não conseguimos realizar? Deixemos de ilusões: não ficamos mais sábios simplesmente porque vivemos muitas situações diferentes. Uma experiência se torna nossa e, portanto, nos enriquece, se a assimilamos, se a confrontamos com nossos ideais e valores e se, então, seguimos a orientação dada por Paulo aos cristãos de Tessalônica: Examinai tudo e guardai o que for bom (1Ts 5,21).
Belo programa para determinados momentos de nossa vida: fazer a síntese de tudo o que já vivenciamos para que não nos sintamos desorientados ou fragmentados. Para que nosso trabalho seja completo, é muito oportuno imitarmos a atitude de Maria Santíssima. Em duas ocasiões o evangelista Lucas nos diz que ela guardava tudo em seu coração, meditando.
A primeira, quando descreve o nascimento de Jesus. Ao chegar à gruta de Belém, os pastores contaram o que lhes havia sido anunciado a respeito do Menino. Todos os que ouviam maravilhavam-se do que lhes diziam os pastores (Lc 2,18). Sua mãe passou a meditar sobre o que ouvira, já que nem tudo lhe era claro e imediatamente compreensível (cf. Lc 2,19).
Doze anos mais tarde, ao reencontrar seu filho no Templo de Jerusalém, depois de três dias de dolorosa procura, Maria perguntou-lhe: Filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu, aflitos, te procurávamos. Como resposta ouviu duas perguntas: Por que me procuráveis? Não sabíeis que deveria estar na casa de meu Pai? O próprio Lucas acrescenta uma explicação: Eles não entenderam o que lhes dizia. E repete a observação feita por ocasião do nascimento: E sua mãe conservava a lembrança de tudo isso no coração (cf. Lc 2,41-52).
A idêntica reação da Mãe de Jesus em dois momentos diferentes, separados entre si por tão longo tempo, mostra-nos que esse deve ter sido seu comportamento habitual, sua reação diante de situações ou de fatos que não compreendia. O mesmo Deus que lhe confiara seu filho e, em função disso, enriquecera-a de graças (cf. Lc 1,28), queria que, caminhando na fé, ela procurasse fazer sua vontade. E a fidelidade de Maria nesse caminho já havia merecido um elogio de sua parenta Isabel, mãe de João Batista (cf. Lc 1,45). Foi também essa atitude de vida que a levou a uma descoberta: um sim dado ao Senhor prepara o coração para um novo sim. Por isso sua vida tem continuidade e crescimento, da Anunciação ao Calvário e, deste, ao Cenáculo de Jerusalém.
Voltemos à nossa própria experiência. Pensemos, por exemplo, nos mais recentes meses de nossas vidas. Em não poucas ocasiões, ficamos perplexos, com mil perguntas em nosso coração. Quisemos entender a inesperada morte do amigo, compreender o absurdo de um crime em nossa cidade, captar a razão do ódio no rosto daquele nosso colega de trabalho e descobrir a causa de tanta fome e miséria. Quisemos captar, também, a felicidade do vizinho que nos procurou para falar de sua reconciliação com a esposa e avaliar a alegria da criança que brincava despreocupada debaixo de uma árvore… Sentimos que os fatos eram maiores que as palavras e que nossa mente era limitada demais para compreender e unir tantas experiências diferentes.
Caminhamos, também nós, na fé. Nem sempre somos capazes de descobrir o sentido do que acontece a nossa volta: de algumas coisas, talvez somente depois de muitos anos é que descubramos; de outras, somente na eternidade.
Mas é importante caminhar fazendo a síntese do que trazemos no coração. Se esse trabalho for realizado apenas com nossas capacidades humanas, obteremos resultados que poderão ser até muito positivos, mas terão sempre a marca de nossas limitações. Se o fizermos com a graça e a luz do espírito Santo, iremos de um sim a outro sim, como Maria Santíssima.
Dom Murilo Krieger
Arcebispo de Florianópolis (SC)