A CNBB, em sua recente assembléia geral, encerrada no último fim de semana, aprovou um documento intitulado ‘Exigências Evangélicas e Éticas de Superação da Miséria e da Fome‘. A Igreja no Brasil exprime assim, de um lado, sua profunda preocupação com nosso povo mais pobre e, de outro, sua decidida vontade de contribuir para combater e superar, à luz do Evangelho e da ética, este enorme problema social da miséria e da fome.
Nós, os bispos, declaramos logo no início deste documento que desejamos assumir, a cada dia, as alegrias e esperanças, as angústias e tristezas do povo brasileiro, especialmente das populações das periferias urbanas e das zonas rurais sem terra, sem teto, sem pão, sem saúde lesadas em seus direitos. Assim, queremos continuar solidários com todas as pessoas, de todas as camadas sociais, mas especialmente com os mais pobres e ajudar também a sociedade brasileira a estar bem atenta ao sofrimento daqueles que vivem na miséria e na fome, com o intuito de promover entre o próprio povo ações imediatas em socorro das vítimas e estimular as autoridades governamentais a definir e pôr em prática políticas públicas eficazes para sanar este flagelo social.
No documento, nós, bispos, dizemos que escandaliza-nos o fato de saber que existe alimento suficiente para todos e que a fome se deve à má repartição dos bens e da renda e logo acrescentamos que o problema se agrava com a prática generalizada do desperdício.
São afirmações claras, mas também afirmações que queimam em nossas consciências. Há comida suficiente para todos e no entanto há milhões que passam fome. É que os recursos são mal distribuídos e grande parte desperdiçados. O Brasil tem uma das mais desiguais e injustas distribuições de renda do mundo e um dos maiores índices de desperdício da sua produção. A renda está perigosamente concentrada nas mãos de poucos. Como fazer uma melhor distribuição e como desperdiçar menos? É isso que a Igreja gostaria de discutir melhor com a sociedade e com os governantes, com o objetivo de se chegar a soluções concretas, para que todos possam ter uma vida humana digna em nosso Brasil.
Por outro lado, a Igreja não poderia apoiar soluções que usassem métodos violentos. As mudanças devem ser buscadas sempre através de métodos democráticos, dentro do estado de direito. A sociedade precisa organizar-se para discutir a fundo estes problemas e exigir do governo, democraticamente e com métodos pacíficos, as políticas públicas necessárias para combater estes males sociais. É preciso iniciar um processo, pois nada se muda de um dia para outro, mas um processo que incorpore uma firme e lúcida vontade política de avançar com rapidez e urgência para a superação real do problema. Enquanto isso, o exercício de uma solidariedade concreta e eficaz, da parte da sociedade, deve encontrar formas de minorar a miséria e a fome de tantos. No documento, nós, bispos, dizemos: ‘A solução dos problemas supera medidas compensatórias, exige nova mentalidade e políticas públicas que reconheçam a alimentação adequada como direito inalienável do ser humano. Animados pela solidariedade e pela esperança, queremos somar forças com todos os que se empenham nesta causa’.
É claro que a Igreja não quer que este documento seja apenas publicado, comentado e depois esquecido na prateleira. Ao contrário, propõe que nas dioceses e nas paróquias se faça algo concreto para combater a fome e a miséria.
Entre as propostas concretas de ação, o documento ressalta o seguinte: ‘Nas dioceses e em seus diversos níveis de organização, sejam convocadas pessoas da própria comunidade eclesial a fim de formar grupos que assumam o Mutirão Nacional de Superação da Miséria e da Fome. Aproveite-se a experiência dos grupos existentes, especialmente das equipes de pastoral social, auxiliando-os, à luz do Evangelho, a dar testemunho de novos valores e hábitos’. Portanto, a Igreja pensa em fazer um mutirão nacional. E então indica uma primeira tarefa a ser feita, dizendo: Compete aos grupos do Mutirão Nacional: identificar as necessidades da população do município e estabelecer metas claras a partir de indicadores e prazos definidos e monitoráveis, recorrendo, na medida do possível, a dados e análises cientificamente fundamentados por sociólogos e economistas, aproveitando-se da ajuda das universidades. Mas, quero, na próxima semana, continuar aqui todo este assunto!
Dom Cláudio Cardeal Hummes
Arcebispo de São Paulo