Parece estar em andamento no Brasil um estranho campeonato, bem diferente do esporte preferido pelo povo. Ao contrário deste, em que o empenho maior é impedir que o adversário faça um gol, no campeonato da corrupção todo o esforço é colocado para provar que o adversário também já fez gol, ao menos um golzinho que seja.
O calendário deste campeonato prevê a rodada decisiva para o dia 06 de outubro, com possível prorrogação para o dia 27 do mesmo mês. A premiação seria bastante aleatória. Só não pode acontecer que um pretendente chegue à disputa final com fama de não ter marcado nenhum tento neste estranho certame, onde a condição prévia seria passar pelo vestibular da corrupção.
Todo o trabalho da mídia que tem os direitos de transmissão do certame parece voltar-se para suscitar a expectativa em torno da comprovação de que todos os candidatos ao título já passaram pelo teste da corrupção. Se ficar difícil acompanhar algum lance ao vivo, procura-se remexer no passado, mesmo que seja post-mortem, para encontrar algum indício de que houve a dita corrupção, indispensável para tranqüilizar a lisura do certame. Pois o que importa é que todos sejam corruptos. Ou melhor, o que importa é que nenhum se pretenda não corrupto, pois isto constituiria um privilégio intolerável na tradição deste jogo que há tanto tempo vem comprovando sua viabilidade e sua fama.
Outra diferença está na maneira de apreciar o espetáculo. As jogadas bem tramadas, o placar dilatado, os grandes lances, parecem não despertar nenhuma emoção maior, são até desprezados e relegados ao esquecimento. Não se fala mais dos escândalos na Sudam, dos grampos das teles, dos favorecimentos do BNDS nas privatizações, das somas fabulosas empenhadas pelo Proer, e de outros vultosos desvios de verbas para favorecimento de ilustres personalidades. Isto tudo perdeu interesse. Tolda excitação da platéia é dirigida para provar que o time participante que alegava ser possível levar o jogo sem lançar mão da corrupção, ele também se valeu dela, ele também é corrupto, portanto, está comprovada a lei universal da corrupção, sem ela não se faz política, sem ela não se governa!
Há outro detalhe. Neste jogo pode haver cartão amarelo e cartão vermelho. Mas só para os corruptos inábeis, para os que se expõem imprudentemente, e acabam colocando em risco a própria lei da corrupção. O episódio mais famoso talvez tenha acontecido na votação da emenda da reeleição. Alguns deputados perderam o mandato porque venderam seu voto, por duzentos mil reais, para votar a favor da reeleição. Mas como foi possível identificar quem vendeu, sem saber quem comprou? Nos tempos em que se estudava gramática, na hora da análise a gente encontrava frases com sujeito oculto. Será que esteve tão oculto assim o dito sujeito que comprou estes votos? Há tanto lugar para se esconder nos palácios de Brasília?
A gramática pode nos valer mais um pouco. O verbo corromper é daqueles que podem ser conjugados na forma ativa, na forma passiva, e na forma reflexiva. Assim, por exemplo: o empresário faz uma proposta indecente ao prefeito, o político se deixa levar pela propina, o eleitor vota no malandro de sempre. Haja corrupção!
Mas a gramática não chegou ainda à forma mais sofisticada de conjugar o verbo corromper. É a forma coletiva. Isto acontece quando o prefeito é de direita, coopta a câmara, se entende de ouvido com os profissionais da falsificação de notas, aparenta extrema seriedade, e ainda por cima conta com respaldo de sisuda confraria, que pressiona o promotor para não dar atenção às denúncias, condiciona o juiz para fazer vistas grossas, e assim mantém sob controle a santa fé do povo, e a corrupção acontece em santa paz. Esta corrupção não é questionada, não entra nos noticiários, não faz espetáculo, não altera o jogo, e sacramenta a sagrada lei da corrupção. É a corrupção na sua forma grupal, com conseqüências bem mais perversas do que outras orgias grupais que se fazem com mais recato do que esta prática impune da corrupção, que mantém cativa a cidadania, e produz a miséria imerecida do povo brasileiro.
Para garantir esta corrupção é que se grita estridentemente contra quem pretende provar que é possível fazer política sem praticar a corrupção. É o que está em jogo na rodada decisiva de outubro.