Bem aventurados os mansos

Dentre todas as virtudes, parece que Jesus quis destacar duas: mansidão e humildade. Ele fez questão de dizer que devemos tomar o Seu jugo e receber a Sua doutrina “porque Eu sou manso e humilde de coração” (cf. Mt 11,29). Na verdade, estas são duas virtudes inseparáveis. Ela está entre as bem-aventuranças: “Bem-aventurados os mansos, porque eles possuirão a terra” (Mt 5,4). O Salmista diz que: “os pobres vão possuir a terra e deitar-se com paz abundante” (Sl 36,11).

O manso possui a paz, porque, firme em Deus, nunca se perturba. São Francisco de Sales, que é mestre e modelo da mansidão, diz: “a humilde-mansidão é a virtude das virtudes que Deus tanto nos recomendou”. E ensinava uma regra de ouro: “Quando virdes alguma coisa que se pode fazer com amor, fazei-o; o que não se puder fazer sem discussões, deixai-o”.

Ser manso é ser delicado com todos, é ser atencioso, compreensivo, não levantar a voz. Especialmente é preciso ser manso com os pobres, os fracos, os doentes, aqueles que por causa de sua posição de inferioridade na sociedade, são tratados com desprezo e sem atenção.

Muitas vezes, somos indelicados, grossos, estúpidos, com os outros, porque não nos colocamos no seu lugar. Somos apressados em julgá-los.

Mansidão não é sinônimo de fraqueza ou de covardia. Ao contrário, é uma virtude divina. Deus, sendo Todo-Poderoso é manso.

“Meu espírito é mais doce do que mel” (Eclo. 24,27).

A mansidão está estreitamente ligada com a fortaleza. Só os fortes em Deus podem exercê-la; o seu princípio consiste em “vencer o mal pelo bem”, como disse São Paulo aos Romanos: “Não pagueis a ninguém o mal com o mal. Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos os homens” (Rom 12,17).

E o Apóstolo ensina a deixar a justiça por conta de Deus, e jamais fazê-la com as próprias mãos. “Não vos vingueis uns dos outros caríssimos, mas deixai agir a ira de Deus, porque está escrito: “A mim, a vingança; a mim, exercer a justiça, diz o Senhor” (Deut 32,35; Rom 12,19)”. “Procedendo assim, diz São Paulo, amontoarás carvões em brasa sobre a sua cabeça” (Prov 25,21); o que significa que o coração duro daquele que é mau, se converte para o bem quando lhe pagamos o bem em troca do mal recebido. O próprio São Paulo experimentou isso na sua vida. Ele segurava os mantos daqueles que apedrejavam Santo Estevão, que, recebendo o martírio, como Jesus, orava pelos seus executores. “Senhor, não lhes leves em conta este pecado…” (At 7,60). E Saulo “que havia aprovado a morte de Estevão”, converteu-se maravilhosamente em seguida, por esses “carvões em brasa” que foram amontoados sobre a sua cabeça pela atitude de Estevão.

O maior exemplo de mansidão nos foi dado por Jesus. Ele a ensinou e a viveu radicalmente. No Sermão da Montanha, Ele ensinou:

’’Tendes ouvido o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu porém, vos digo: não resistais ao homem mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra” (Mt 6,38s). Essa é a verdadeira mansidão cristã, que não aceita o revide, não aceita pagar o mal com o mal. Não se apaga fogo com gasolina; não se aplaca a violência com mais violência. Só com a resposta não violenta pode-se quebrar a cadeia perniciosa da violência. Jesus levou esse ensinamento a fundo, até ao ponto de ensinar:

“Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem” (Mt 6,43-44). E Jesus acrescenta que essa atitude nos torna “filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e injustos” (cf. v45). E afirma que assim seremos perfeitos como o Pai celeste (cf. v46). Jesus ensina que na mansidão reside a perfeição cristã. Isto é muito importante para quem deseja trilhar o caminho da santidade.

(…) Para praticarmos essa bela virtude é preciso estarmos convencidos de sua beleza, eficácia e poder, pois o mundo nos ensina o contrário: “bateu, levou!” Jesus ensina o oposto: “bateu, dê-lhe a outra face!” É certo, como dois mais dois são quatro, que o agressor ficará desconcertado e envergonhado do seu gesto. Senão na hora, depois, quando esfriar o seu sangue. As brasas do amor foram acumuladas sobre a sua cabeça.

Estou convencido de que esta é a maior prova para o cristão: “pagar o mal com o bem, amar o inimigo, orar pelo que te persegue…” Não é fácil perdoar e orar pela mulher que levou o seu marido; pelo rapaz que assassinou o filho; pelo ladrão que roubou o seu carro; pelo sujeito que o humilhou em público, etc. Não é fácil! A natureza reage, esperneia, quer vingar-se, quer o revide, quer beber o sangue do outro… Só pela graça de Deus é possível, pois, como disse Santo Agostinho: “o que é impossível à natureza, é possível à graça”.


Felipe Aquino

Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br e Twitter: @pfelipeaquino