A Igreja Católica e suas festas nem sempre religiosas

No dia 8 de julho, recebi uma carta de um leigo cristão de nossa Diocese, questionando o uso de bebida alcoólica nas festas promovidas pela Igreja. Transcrevo-a sinteticamente:
«Há duas semanas, entrou em vigor a lei 11.705, que altera o CTB em relação ao uso do álcool. Ontem, durante o encontro do nosso grupo de reflexão, surgiu um questionamento sobre a posição da Igreja diante do consumo de bebida alcoólica nas festas religiosas.
Hoje, nos deparamos com um fato novo, que é a vigência da nova lei, a qual, no primeiro momento, já demonstrou os seus benefícios. Como procederá a Igreja diante deste fato novo? Continuará a promover suas festas servindo bebidas alcoólicas?

Uma das festas de grande expressão em nossa cidade é a de São Cristóvão (padroeiro dos motoristas), justamente aqueles a quem a lei vem regulamentar o comportamento quanto à utilização do álcool. Como católico praticante, rezo para que, um dia, todas as nossas paróquias possam abolir totalmente, de suas festas, a venda de bebidas alcoólicas».

Se se pudesse brincar com assuntos sérios – mas não convém, até mesmo para não fugir do problema –, eu começaria dizendo que nasci em Bento Gonçalves (RS), a cidade que diz produzir o melhor vinho da América Latina!

Acrescentaria que o primeiro milagre operado por Jesus aconteceu exatamente numa festa de família, ocasião em que o Senhor transformou em torno de 500 litros de água em vinho – e do bom, como se apressa a esclarecer o Evangelho. Para seus adversários, Jesus não passava de um «glutão e bebedor de vinho» (cf. Lc 7,34). Por sua vez, São Paulo não hesitou em dar um conselho inesperado ao bispo Timóteo: «Deixa de beber somente água; toma um pouco de vinho para facilitar a digestão e superar tuas freqüentes doenças» (1Tm 5,23).

Mas, como se sabe, a Bíblia é um oceano infinito, onde cada um pesca o que quer. Por isso, se nela encontramos elogios ao vinho, há também inúmeras páginas que o condenam veementemente. Para não cansar o leitor, cito apenas São Paulo, o mesmo que aconselhou Timóteo a não beber apenas água. Aos fiéis leigos, dizia: «Não vos embriagueis com vinho, o pai da luxúria» (Ef 5,18). Aos eclesiásticos, acrescentava: «O bispo deve ser sóbrio, não dado ao vinho nem violento» (1Tm 3,3). Por fim, às mulheres (pois a embriaguez não é privilégio dos homens), pedia que «não fossem escravas da maledicência e da bebida» (Tt 2,3).

Como se percebe, para São Paulo os efeitos perversos do álcool são a luxúria, a violência e a maledicência. Se todos fôssemos adultos e maduros, não haveria problemas. Saberíamos quando beber e quando parar. «Virtus in médio: a virtude está no equilíbrio» repetiam os antigos latinos. Nem sempre a renúncia aos bens criados por Deus é sinal de santidade. Há momentos e situações em que ela é necessária, em vista de um ideal superior; mas, na normalidade do dia-a-dia, Deus pede apenas que deixemos de lado o que impede o crescimento da humanidade. Dado, porém, que a fraqueza humana é grande – o próprio Jesus falou que «o espírito é forte, mas a carne é fraca» (Mt 26,41) – é sempre mais prudente evitar as ocasiões, pois «quem abre um buraco, nele cairá» (Pr 26,27).

Infelizmente, há festas religiosas em que se tem a impressão de que sua finalidade principal seja o dinheiro, tanto que seu resultado positivo ou negativo é medido pelo número de caixas de cerveja vendidas… Não poucas vezes, seus próprios organizadores são os que incentivam o uso e o abuso do álcool. Não será por isso que algumas dessas festas terminam em brigas e assassinatos, ou seja, exatamente o contrário do motivo pelo qual deveriam existir?

Uma síntese do que penso a respeito é dada pelo “Diretório Administrativo Diocesano”, em vigor desde o dia 1° de janeiro de 2004:
«Para a sustentação da Diocese e de cada comunidade, em primeiro lugar, deve-se organizar a contribuição normal e permanente dos membros da comunidade através do dízimo. As outras promoções, como campanhas, festas, quermesses, etc., também têm o seu significado e importância, não apenas pelo seu rendimento econômico, mas, sobretudo, pelo seu valor de confraternização e participação do povo.
Nestes momentos fortes de confraternização, as comunidades precisam ter o cuidado de não cometer exageros que provoquem maus exemplos ou escândalos, como, por exemplo, o comércio exagerado e sem escrúpulos de bebidas alcoólicas, motivo de constrangimentos em muitas comunidades. Os próprios bailes – a não ser os estritamente familiares – não parecem adequados para congraçar a comunidade e construir o Reino de Deus. Os fins não justificam os meios».