Diante de Deus, somos todos chamados à conversão. O apóstolo Paulo nos lembra que fazemos o mal que não queremos (Rom 7,19). Não é fácil superar tentações e evitar o aliciamento ao erro e ao prazer desordenado. É o recurso a Deus que nos sustenta no desejo do bem e nos fortalece no cumprimento dos deveres que a consciência indica.
A experiência da fraqueza humana acompanha nossa vida e se manifesta de muitos modos. Somos inconstantes na prática do bem; deixamo-nos levar pelo egoísmo, pela ambição e pelo descontrole do olhar e da imaginação. No entanto, no exercício de nossa liberdade, temos os meios para vencer tentações e preservar nosso íntimo do pecado. Além da oração filial, requer-se o empenho constante para saber resistir às solicitações que destroem a unidade e a alegria de viver.
A cada dia, percebemos melhor a nossa fragilidade e somos chamados a renovar a fé e a confiança no auxílio divino. Na prece que Jesus nos ensinou, pedimos ao Pai Celeste que nos perdoe e nos ajude a perdoar aos outros, que nos livre do mal e nos confirme na prática do bem. Ao longo dos anos, vamos crescendo na consciência de que somos falíveis, de que precisamos resistir às tentações e usar os meios para evitar as ocasiões de pecado. A vida se torna, assim, uma experiência cotidiana de apelo à santidade, de exercício de virtude em que as pequenas vitórias revelam a força da graça divina e o valor da ascese, acompanhado pela humildade de quem sabe que está sempre submetido à própria fragilidade. Ainda aqui o apóstolo nos adverte: Quem está de pé, cuida para não cair (1 Cor 10.12). As pessoas que mais se aproximam de Deus compreendem melhor as palavras do Divino Salvador, ensinando seus discípulos a não julgar os outros.
É difícil penetrar nos meandros da consciência e conhecer com justiça a culpa de quem erra. Era por isso que Jesus denunciava o erro, identificava a maldade, a hipocrisia, o fermento dos fariseus, mas insistia na conversão pessoal e na complexidade do julgamento sobre o proceder do próximo, reservado somente a Deus, que perscruta o coração humano.
A certeza da própria fraqueza e a dificuldade de formar um juízo definitivo sobre os outros deveriam nos auxiliar a fazer uma revisão do nosso procedimento e a assumir uma atitude mais modesta diante das falhas alheias. É preciso diagnosticar o mal, punir e corrigir os erros, defender e preservar os inocentes, mas precisamos aprender a ver a realidade à luz da misericórdia infinita de Deus, capaz sempre de retificar nossa liberdade e de instaurar em nós a sede da verdade, do bem e de uma vida santa. Não podemos justificar o que está errado nem aprovar os graves desvios de conduta. No entanto, quando nos fechamos ao olhar da misericórdia de Deus, nosso discernimento se ofusca e perdemos a objetividade, lançando-nos a retirar o cisco do olho do irmão (Mt 7,3) sem perceber a trave que deforma e atrofia o nosso julgamento.
Acabamos perdendo o critério da verdade e da justiça e, assim, ao mesmo tempo em que denunciamos o mal cometido, nós nos omitimos e deixamos de exigir -com coerência- que outros crimes sejam reconhecidos na sua maldade, evitados e corrigidos. Penso nos 5 milhões de vidas inocentes a cada ano eliminadas no seio materno com a tolerância de nossa sociedade. A mesma sociedade que condena certos erros torna-se conivente com o hedonismo e com tantas formas de corrupção e degradação moral. Antes de julgar, todos precisamos nos converter.
Dom Luciano Mendes de Almeida
Arcebispo de Mariana-MG