Estamos diante de uma situação sem precedentes com o nosso clima. Mas quem é, afinal, o responsável pelas condições climáticas?
O clima está nos habituando a presenciar situações extremas cada vez com maior frequência: inundações, ondas de frio e calor, deslizamentos de terra, secas prolongadas…. A causa é simples: a atmosfera é uma máquina térmica (parecida a uma panela de pressão) movimentada por energia solar. Nos últimos 150 anos, o homem tem lançado na atmosfera quantidades sem precedentes de gases que incrementam a capacidade de reter o calor, conhecidos como gases de efeito estufa. Assim, o aumento da temperatura do ar nas últimas décadas não tem precedentes na história do nosso planeta. Em outras palavras, a “máquina térmica” nunca teve tanta energia para produzir extremos climáticos.
O Brasil não está isento desse problema e contribui para aumentá-lo com altíssimas taxas de desmatamento e queimadas. As consequências também são claras: é só lembrar os deslizamentos de terra no Vale de Itajaí, em 2008; de Angra dos Reis, em 2010; as inundações do rio Mundaú no mesmo ano; as recentes inundações no Acre e Rondônia e, como esquecer, da tragédia da Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011. Esses são apenas alguns exemplos dos muitos desastres naturais que poderiam ser citados nas diferentes regiões do país, apenas nos últimos anos.
O ano de 2014 não foi diferente. A Região Sudeste sofre com a maior seca da sua história recente. As estatísticas dirão, em função dos dados disponíveis, que não chove tão pouco há pelo menos meio século e que a vazão do Sistema Cantareira não atingia um nível tão baixo há pelo menos 80 anos. Se, além disso, levarmos em conta a “dimensão humana” (segundo o IBGE, São Paulo passou de 3 milhões de habitantes em 1950 aos atuais mais de 20 milhões, incluindo a região metropolitana), estamos diante de uma situação sem precedentes.
Lembrando que na região sudeste mais da metade da chuva anual cai entre os meses de dezembro a fevereiro, a crise hídrica atual se deve à falta de chuva do último verão. Os meses de dezembro de 2013, janeiro e fevereiro de 2014 foram extremamente secos, os mais secos que temos memória. Em particular, entre início de janeiro e meados de fevereiro de 2014 praticamente não choveu, fato extremamente raro.
A causa principal dessa anomalia climática foi a atuação de uma área de alta pressão atmosférica localizada sobre a região sudeste e o mar adjacente. A alta pressão atmosférica deixou o ar mais denso e pesado, fazendo com que o ar seco, normalmente restrito a grandes alturas, fosse carregado até a superfície. Isso inibiu a ascensão do ar úmido desde a superfície até os altos níveis da atmosfera, necessária para a formação das nuvens e, portanto, da precipitação. Essa área de alta pressão é conhecida tecnicamente, na meteorologia, como “bloqueio atmosférico”, já que, devido à sua grande extensão, alta densidade do ar e deslocamento muito lento, “bloqueia” a passagem de sistemas meteorológicos como as frentes frias ou as zonas de convergência, normalmente responsáveis pelas maiores precipitações ao longo da estação chuvosa.
Os bloqueios atmosféricos são típicos das latitudes altas e ocorrem com maior frequência sobre o Oceano Pacífico. A duração média? Apenas 7 ou 8 dias, sendo que os casos que chegam a permanecer mais de 15 dias são muito raros. Por que, então, um sistema desses se posicionou sobre a região sudeste e permaneceu por surpreendentes 45 dias? Estamos em presença de um fenômeno novo? Ele foi causado pelo aquecimento global? Ele vai se repetir no futuro próximo? Essas são perguntas que os cientistas estamos tentando responder. Porém, mais urgente ainda será fazermos frente à crise que afeta uma boa parte da população. Um aspecto muito importante é que não bastará uma próxima estação chuvosa normal para solucionar o problema. A crise, muito provavelmente, deverá se prolongar durante alguns anos.
A sociedade brasileira, ao longo de sua história, tem demonstrado, e continua demostrando a cada dia, a sua imensa capacidade solidária. Nestes momentos de “torneiras magras”, devemos fazer o maior esforço possível para economizar água e, assim, evitar que outras pessoas sofram com a falta dela. Talvez, a crise hídrica de 2014 tenha nos ensinado uma lição dolorosa: a água é um recurso valioso e escasso, mesmo num país onde normalmente chove muito! E se não o soubemos cuidar dela, sofreremos as consequências. Essa lição inclui vários capítulos: devemos conservar as nascentes e mananciais, mantendo a flora natural; devemos cuidar da qualidade d’água, evitando jogar lixo em locais inapropriados ou despejar esgoto nos rios; devemos evitar as queimadas e o desmatamento e assim por diante. Enfim, devemos cuidar do nosso patrimônio natural e utilizá-lo de forma racional e responsável.
Por isso, nesses momentos de crise, devemos fazer o nosso maior esforço para economizar água. Por exemplo: tomando banhos curtos, fechando a torneira para lavar a louça ou escovar os dentes, reutilizando a água da máquina de lavar e evitando lavar tudo aquilo que não seja imprescindível. O esforço deve ser de todos e de cada um! Assim, a calçada suja, o carro empoeirado ou, especialmente, a sua conta d’água serão os melhores comprovantes da sua solidariedade.
Por Marcelo Enrique Seluchi – Tecnologista no CEMADEN: Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais