O contraste entre os avanços tecnológicos e as dificuldades das pessoas em estabelecer atividades intelectuais e interações interpessoais
O título deste artigo não é uma opinião minha, e sim do neurocientista francês Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, que, recentemente, lançou um livro polêmico intitulado “A Fábrica de Cretinos Digitais – Os perigos das telas para nossas crianças”.
A tese de Desmurget é que, pela primeira vez na história, há uma diminuição do QI médio da geração atual em comparação com a anterior. Para o neurocientista, a tecnologia e o excesso de informações advindas das redes sociais estão afetando diretamente o potencial plástico do cérebro. Em palavras mais grosseiras, estamos ficando mais “burros”.

Foto Ilustrativa: ljubaphoto by Getty Images
A tese de Desmurget é um paradoxo, pois ao mesmo tempo em que avançamos cada vez mais em tecnologia e inteligências digitais, fazemos menos esforço para interações interpessoais, que são fundamentais para o desenvolvimento da linguagem, temos menos tempo para atividades intelectuais como leitura, música, arte e cultura em geral. Soma-se a isso o fato de que dormimos mal, comemos errado e vivemos em grandes cidades, cujo nível de estresse é comparado a ambientes de guerra.
Vamos lembrar que, evolutivamente, nosso cérebro se desenvolveu à medida que fez esforços de adaptação. Nossos antepassados, caçando, plantando e construindo, transformaram o mundo à medida em que faziam novas conexões do cérebro. Ao longo dos séculos, cientistas, filósofos, poetas, arquitetos e dramaturgos precisaram sentar horas numa cadeira para entender o mundo, a agricultura, as construções, as leis da física e da matemática, o clima, os bichos, a flora.
A gente só sobrevivia se soubesse pegar a informação certa, guardar e usar bem. Aprender algo novo era como achar um tesouro, e o cérebro guardava tudo direitinho, como num cofre.
Leia mais:
.:Saúde mental, esperança e recomeço: sempre há tempo de fazer diferente
.;O vício em eletrônicos pode desenvolver patologias
.:Redes Sociais: A busca por Validação Emocional Online
A era digital trouxe imensos benefícios, mas também uma “preguiça cognitiva”
Nunca tivemos tanta informação disponível, mas, ao mesmo tempo, nunca usamos menos a nossa capacidade cognitiva. O cérebro foi feito para lidar com o básico e guardar informações realmente relevantes; agora, tem que processar um monte de coisas inúteis. Numa analogia, nossos antepassados queriam mergulhar fundo no oceano, mas nós nos contentamos com a superfície. Em vez de ler um texto completo, a gente só vê a manchete. Em vez de quebrar a cabeça para resolver um problema, a gente pede pra Inteligência Artificial. E assim, vamos deixando de estimular essa massa cinzenta hipercomplexa que carregamos dentro da cabeça, que trabalha justamente com um mecanismo chamado “use ou perca”. E nós estamos perdendo.
É como um músculo que não faz exercício: uma hora atrofia. O que já era preocupante com a internet pode ficar catastrófico com a IA. Vamos ter não apenas o excesso de informação, mas o excesso de inércia do raciocínio. Ela dá as respostas de bandeja, e não precisamos pensar. Antes, aprendíamos construindo o conhecimento; agora, é só dar o “prompt”.
Apesar dos avanços na tecnologia, nosso cérebro é absolutamente analógico. Ele não lida muito bem com o excesso e precisa de pausas. Por isso, não existe outra forma de preservarmos a nossa saúde mental a não ser colocando um freio neste excesso de tecnologia: interação social, olho no olho, contato com a natureza, ociosidade para sentar e ler um livro, deixar as crianças brincarem na chuva e na terra molhada, voltar à nossa espiritualidade.
Precisamos redescobrir o valor do esforço, da curiosidade genuína e do tempo dedicado ao pensamento profundo. Resgatar a nossa humanidade em um mundo digital não é um retrocesso, mas um ato de resistência e um investimento no nosso próprio potencial. Afinal, a nossa maior ferramenta de inteligência não é um aparelho, mas sim o cérebro que nos diferencia e nos torna verdadeiramente humanos.
Daniel Machado
Psicólogo e missionário da Comunidade Canção Nova.