“Ciúme, eu? Imagine se eu teria ciúme? Estou preocupado contigo. Fico pensando se fosse com você, o que faria? Coloque-se no meu lugar!”. “Eu não quero te controlar, só quero saber a importância que tenho em sua vida”, “Assim não dá mais!”. É assim que você demonstra seu amor? Tenho a coragem de afirmar que você já falou ou já ouviu algumas das afirmações anteriores.
O que seria o ciúme? Em Otelo, Shakespeare define o ciúme na seguinte citação: “O ciúme é um monstro que a si mesmo se gera e de si mesmo nasce”. Como não acredito que o comportamento é autodeterminado e que tenha geração espontânea dentro do homem, gostaria de levá-lo a pensar o que pode gerar os comportamentos que estão numa classe de respostas a qual chamamos de ciúme.
Quais seriam os comportamentos que você classificaria como comportamentos ciumentos? Controle de comportamentos do outro, tentativa de controle de pensamentos do outro, desconfiança, acusação, sensação de injustiça, raiva, comparação, intolerância com a diferença, estabelecimento de condições rígidas que muitos denominam de capricho (“ou ele ou eu”), chantagem, ameaças de morte, enfim, muitos outros comportamentos. Alguns comportamentos são públicos ou explícitos, a pessoa de quem você tem ciúme percebe; outros são comportamentos privados ou implícitos, só quem está se comportando sabe que os têm.
Não poderíamos dizer que tantos comportamentos diferentes são autodeterminados. Preciso pensar em uma variedade de acontecimentos ambientais atuais que, somados com a história passada de uma pessoa, a levam a se comportar de forma ciumenta.
O ciúme de Caim
Analisando o comportamento de Caim: o que o fez matar a Abel? Caim gastava seu tempo observando o comportamento dos outros. Abel tornou-se pastor de ovelhas, e Caim pôs-se a cultivar o solo. Aconteceu que, tempos depois, Caim apresentou ao Senhor os frutos do solo como oferta. Abel, por sua vez, ofereceu os primeiros cordeirinhos e a gordura das ovelhas. E o Senhor olhou para Abel e sua oferta, mas não deu atenção a Caim com sua oferta. Caim ficou com o rosto abatido. Então, o Senhor perguntou a Caim: “Por que andas irritado e com rosto abatido? Não é verdade que, se fizeres o mal, não estará o pecado espreitando à porta? A ti vai seu desejo, mas tu deves dominá-lo” (Gen 4,3-7).
A leitura da história de Caim e Abel gerou em você algum sentimento? Escreva agora qual foi o seu sentimento por Caim, por Abel e por Deus, insisto que você escreva antes de continuar a leitura.
Caim observava o comportamento de Abel e de Deus e os avaliava com os conceitos que foi formando ao longo da vida. Caim desenvolveu uma certeza de que os conceitos dele de justiça são verdadeiros, passa acreditar no que cria e a avaliar os outros pelo que acredita ser verdade. A pessoa enciumada (Caim) é, frequentemente, impelida não pelo amor, mas pelo ódio invejoso da capacidade do outro (Abel) de despertar o amor de um terceiro (Deus). Assim, ao perceber que aqueles observados têm uma relação especial, começa imediatamente a fantasiar a perda da pessoa amada, a preocupação com o futuro da relação, e começa a suspeitar que isso já é antigo.
Mentir para si mesmo
Mas conflitantemente, a pessoa também tem vergonha do que está sentindo e acaba negando que é ciúme, não admite que o denominem de ciúme e, com um tempo, vai acreditando na sua própria mentira. Quando alguém tenta mostrar a inadequação de sua percepção, a pessoa articula, maquina, cria argumentos para provar que está certa e, para isso, não mede a consequência dos seus atos. Agora já não interessa mais conquistar a pessoa amada, o que se quer é provar que está certo. É transformar a sua verdade em verdade.
Dando continuidade à história de Caim e Abel: “Caim disse a seu irmão Abel: vamos ao campo!”. Mas, quando estavam no campo, Caim atirou-se sobre seu irmão Abel e o matou. O Senhor perguntou a Caim: “Onde está teu irmão Abel?”. Ele respondeu: “Não sei. Acaso sou o guarda do meu irmão?” (Gen 4,8-9).
Autoconhecimento e autoavaliação
Parece-me que, a observação do comportamento dos outros gerou em Caim uma série de comportamentos ciumentos. Observe que Caim tinha todo o necessário para suas necessidades básicas de sobrevivência, mas tinha um desejo de possuir alguém. Queria porque queria! O seu querer e sua verdade cresceram tanto que ele foi se tornando infantil. É o que as pessoas costumam chamar de capricho. Os caprichos não precisam ser satisfeitos.
Agora, vamos voltar ao que eu pedi que escrevesse? Qual o sentimento que você teve por Caim? Por Abel? Por Deus? Somos tão caprichosos que questionamos até os comportamentos de Deus. Verifique que Deus deu a oportunidade de Caim rever seu comportamento. Ele buscava ser pedagogo, educando a quem amava. Mas isso Caim não observava.
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O que você tem observado nas situações que te causam ciúmes? A quem você tem culpado? Quem é Caim, Abel e Deus nas suas histórias de ciúmes? Não se esqueça: ciúme não é autogerado, não é autodeterminado. Você precisa observar seu comportamento ciumento e o que na sua história controla o seu ciúme. É hora de autoconhecimento, auto-observação, então, mãos à obra.
Claudia May Philippi, Psicóloga