Os anos agitados da juventude passam e, aos poucos, vão dando lugar à velhice
A juventude é um período que favorece muitas fugas. A vitalidade do corpo, a vida agitada, os muitos compromissos, as múltiplas possibilidades, tudo faz com que esse tempo da vida seja naturalmente dinâmico. A impulsividade é a marca dessa fase.
Com o passar do tempo, essa dinâmica vai se transformando. Vamos ficando mais lentos, mais criteriosos, e o leque que antes era formado de inúmeras possibilidades vai se tornando mais estreito.
E quando a velhice chegar?
São as estações da vida e suas mudanças constantes. São os encaminhamentos naturais do tempo a nos conduzir ao lugar da pergunta: E agora? O tempo passou e a velhice chegou. E agora?
A escritora mineira Adélia Prado fala, de forma muito interessante, dos impactos da velhice na vida humana. No poema ‘Pedido de adoção’, a escritora identifica, na personagem, a saudade de ter a mãe. Essa orfandade é reconhecida no auge da velhice, momento da vida em que os limites a aprisionam, fazendo-a querer os mesmos cuidados que as crianças.
Reflita com o poema
Veja com que beleza e simplicidade a autora faz a leitura desse sentimento.
Estou com muita saudade
de ter mãe,
pele vincada,
cabelos para trás,
os dedos cheios de nós,
tão velha,
quase podendo ser a mãe de Deus,
não fosse tão pecadora.
Mas esta velha sou eu,
minha mãe morreu na roça,
os olhos cheios de brilho,
a cara cheia de susto.
Ó, meu Deus, pensava
que só de crianças se falava:
as órfãs.
Quais sentimentos transmitem?
O sentimento da orfandade lhe confere a coragem de querer o retorno no tempo, de driblar a crueza de sua idade e reivindicar o direito de ter um colo onde deitar a cabeça e receber os cuidados maternos.
A personagem manifesta o desejo de voltar a se enrolar no tecido da descendência, como se quisesse suturar sua carne já envelhecida à carne jovem de sua mãe, que só existe em suas saudades, e assim rejuvenescer.
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É a personagem diante do fato inevitável de que o tempo passou e, agora, velha, como um dia estivera sua mãe, reconhece em sua alma a mesma condição em que costumamos classificar as crianças órfãs.
A personagem e a velhice. Destino inevitável que os pés humanos encontrarão ao longo da existência. Não há outro jeito. Estamos expostos aos efeitos do chronos, o tempo que passa.
Desde o nascimento, o corpo se encaminha para o seu processo final. Nasce direcionado para o fim, uma vez que o seu percurso terá como meta a sua desmaterialização.
Durante esse percurso, viverá as diversas fases da vida, extraindo de cada uma delas suas possibilidades e seus limites.
(Trecho do livro “Quando o sofrimento bater à sua porta” de padre Fábio de Melo)