Quando falamos a respeito do fato ocorrido com Jesus, da sua perda no templo de Jerusalém, quando seus pais voltaram preocupados procurando-o e o encontraram entre os doutores da lei, nos detemos muito na situação do Menino Jesus, que fez uma reinação; nos detemos muito na aflição de Maria e de José, que é real. Mas é muito importante, por outro lado, refletir na resposta de Jesus: Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu pai?(Lc 2,49). A tendência é imaginar que Ele, porque era Deus e por ter consciência disso, acreditava saber de tudo, e sabia que precisava se ocupar das coisas do Pai. Não é nada disso. Uma passagem da Escritura não se opõe à outra, e é chave aquela passagem em que nos é dito que Jesus se esvaziou, se desvestiu de Sua divindade e se fez homem, totalmente homem, usando unicamente a veste da humanidade.
Ele, portanto, não recorria aos Seus conhecimentos de Deus, muito pelo contrário: Jesus foi tendo a experiência crescente de que Deus era Seu Pai, e aí está a beleza. Não foi uma coisa que aconteceu de repente. Jesus pouco a pouco foi cultivando o relacionamento de um filho para com o pai. Quando chegou aos doze anos, tinha tanto amor, tanto carinho pelo Pai, que tinha consciência de que era em Jerusalém que se sabia das coisas de Deus e por isso foi para lá. Ele já tinha ouvido muito de Seu pai e de Sua mãe, é claro, mas precisava escutar também de outros. Por isso é que ficou três dias ali, ouvindo-os e interrogando-os. Seu coração tinha sede de conhecer o Pai, de relacionar-se, de unir-se, de fazer-se um com Ele. E em Sua resposta a José e Maria estava implícito: Vocês estão colhendo o que plantaram. Vocês foram me ensinando a me ocupar das coisas de meu Pai; me foram falando de Deus, e Ele foi tomando conta do meu coração cada vez mais. Hoje descubro que é meu Pai.
Hoje o Senhor está dizendo a cada um de nós: É preciso que vocês se ocupem das coisas de Nosso Pai, que Me amem e estejam imbuídos, plenificados, tomados pelas Minhas coisas a ponto de vivê-las.
Eu sinto que é isso que Nossa Senhora quer passar para cada um de nós. O interesse não é o trabalho, a evangelização, as pessoas, mas o Pai. Porque estamos possuídos pelo Pai, porque nosso coração está cheio de amor por Ele, sentimo-nos impelidos a agir, a evangelizar. Não haverá sentido se formos para a ação pela ação; se formos unicamente por amarmos as pessoas. O que nos sustenta e vai nos manter nesse ardor pelo Evangelho é o amor de Deus. É preciso, portanto, cultivá-lo.
Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu pai? Nesse momento o Espírito Santo moveu Jesus, que então desceu com eles a Nazaré e lhes foi submisso, ficando lá dos doze aos trinta anos, dezoito anos trabalhando na oficina de José, vivendo na casa deles, indo à sinagoga, lutando, sofrendo, e aprendendo. E foi assim que o Pai preparou Jesus, o grande evangelizador. Não existe outra maneira de formar evangelizadores como Jesus, a não ser na escola da vida: orando ao Senhor, ouvindo-o, crescendo com Ele… O Senhor nos educa nas coisas da vida; nas dificuldades; nos relacionamentos, nos quais muitas vezes nos pegamos com o coração aflito; no perdão a ser dado ou pedido; na reconciliação a ser feita.
É por meio de tudo isso que se vão formando nossos corações, o coração do evangelizador, que então evangeliza a partir de algo que está acontecendo em sua própria vida. O evangelizador é continuamente transformado pelo Senhor, e não é perfeito. Ele não pega a Bíblia e caceteia a cabeça dos outros, falando como se fosse o tal porque já conhece todas as coisas e é preciso que todos se convertam, porque são pecadores… não é nada disso. É lá embaixo, no comum, na rotina que o formador colhe todas essas coisas, guardando-as e meditando-as em seu coração. Ele fala daquilo que está vivendo, e com simplicidade de filho, que não precisa de pedestal, de aparato. Fala com amor, com afeto, com delicadeza.
E tudo isso na casa, no coração de Maria. Ela foi a formadora de Jesus, e é a formadora dos evangelizadores à imagem de Jesus. Provavelmente nossos irmãos, ainda mais nos tempos de hoje, não terão outro Evangelho para ler a não ser as nossas vidas. E Maria está aí, à nossa disposição. Ela tem sido a Mãe, a Mestra, a Educadora de cada um de nós e, quanto mais nos deixarmos modelar, mais Ela fará essa obra linda, caseira, doméstica, porque formada em sua casa, e na oficina de José.
Do livro: “Consolados por Maria”