‘…como Maria de Magdala recebeu o epíteto de ‘fortificada com torres’ por causa da força e intensidade de sua fé, teve o privilégio de ver o Cristo ressuscitado, mesmo antes dos apóstolos’ (São Jerônimo, em Principium Virginem)
Hipólito, bispo de Roma (170-235 D.C), escreveu em sua análise sobre o Cântico dos Cânticos, que Maria Madalena era a representação da noiva no poema de Salomão. Para ele, o amor representado no poema, era o amor espiritual de Maria por seu mestre Jesus, que buscou por ele no sepulcro, e não o encontrando lá, consternada acabou encontrando-o em um jardim. Para Hipólito, ela representava a restauração do pecado de Eva. Da mesma maneira que Eva tentou Adão em um jardim, e foi a causa da queda do homem, Maria Madalena encontrou o Cristo em um jardim e foi a testemunha de sua transformação na Divindade, abrindo o caminho de reintegração do homem ao Adão original. Ele a chama então de ‘Apóstola dos Apóstolos’.
Como foi então, que de ‘Apóstola dos Apóstolos’ e encarnação da Sofia Celestial, Maria Madalena se tornou a prostituta de cabelos longos, curada de seus pecados pelo Cristo e que ungiu seus pés, já que não existe, em nenhum texto canônico ou apócrifo, qualquer referência direta sobre ela, que faça alguma alusão a esses fatos?
Quanto mais ela era reverenciada pelas comunidades gnósticas, mais a igreja de Roma a transformava no epíteto da mulher caída. De mensageira do evangelho ela se tornou, então, o símbolo da mulher que a sociedade da época adotava: do século III em diante, as mulheres já não tem participação ativa na comunidade cristã sob o domínio de Roma, e esta passa a se basear em um triunvirato masculino de bispos, sacerdotes e diáconos. Elas estão marcadas pelo pecado original e são exemplos de impureza. Apenas Maria, a mãe de Jesus, tem o seu status inalterado, passando a englobar em si todas as características positivas dos mistérios femininos.
Mas como foi que essa imagem de pecadora foi formada para Maria Madalena? Na verdade, criou-se para ela um amálgama de dois, ou três, personagens bíblicos femininos diferentes.
A pecadora perdoada
Em Lucas temos a descrição de Jesus com a mulher que lava seus pés na casa do fariseu:
‘Um fariseu convidou-o a comer com ele. Jesus entrou, pois, na casa do fariseu e reclinou-se à mesa. Apareceu então uma mulher da cidade, uma pecadora. Sabendo que ele estava à mesa na caso do fariseu, trouxe um frasco de alabastro com perfume. E ficando por detrás, aos pés dele. Chorava; e com as lágrimas começou a banhar-lhe os pés, a enxugá-los com os cabelos, a cobri-los de beijos e ungi-los com o perfume’(Lucas, Cap 7 v.36-38).
O fariseu acha estranho que um profeta se deixe tocar por uma pecadora, porém Jesus conta a parábola do credor, para provar que quem tem mais pecados, mais merece ser perdoado. Cristo diz que a mulher ama mais porque deve mais, e seu amor a salva.
Em nenhum momento o texto se refere a uma prostituta, e sim a uma pecadora. Este termo pode ser utilizado para qualquer pecado moral, não necessariamente um pecado ‘da carne’. Por traz da afirmação de que era uma prostituta, temos um preconceito e um fato histórico. Um preconceito por achar que um pecado de uma mulher só poderia estar ligado ao sexo, e um fato histórico porque, naquela época, apenas as prostitutas usavam seus cabelos soltos, e os lavavam na frente dos outros, na rua. As demais mulheres usavam seus cabelos presos em sinal de respeito, e não os exibiam em público. Para os historiadores bíblicos, apenas uma prostituta soltaria seus cabelos para poder lavar os pés do Cristo. Isto foi um erro de interpretação, pois Jesus quebrou com o relacionamento de inferioridade que as mulheres tinham dentro da comunidade, e o que o texto representa na verdade, é o profundo amor e respeito de uma alma sedenta por paz, e que se deleita e se humilha perante a Luz.
Fonte: sca