O padre é um presente de Deus à Igreja. Ele foi escolhido entre os homens, longamente preparado para assumir uma delicada e importante missão, e enviado aos homens para garantir a presença de Jesus no mundo. Foi escolhido; não escolheu. Não foi, porém, forçada sua liberdade: ele a entregou totalmente nas mãos dAquele que o chamava.
Soube compreender a atraente voz do Senhor, reforçada nos acontecimentos de cada dia, nas experiências e nas partilhas. Por isso, toda vocação é um mistério. E, no dizer de Saint-Éxupèry: ‘Quando o mistério é muito grande, não se ousa desobedecer‘ (O Pequeno Príncipe).
Na fragilidade e na simplicidade do seu ser, o Padre é um homem do povo. Antes de inventar o Padre, Deus inventou um povo, o seu povo. E no grande arco de tempo entre a oferta de pão e vinho de Melquisedeque e a Última Ceia, Deus fez história inserindo-se na vida da humanidade para dar-lhe uma forma toda particular: Povo de Deus. O padre se identifica intimamente com as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje (Gaudium et Spes, 1). Compreende o seu tempo e procura ser uma resposta aos anseios de Deus e às necessidades da Igreja e, portanto, do povo. Do mesmo modo que Cristo compreendeu as necessidades do seu tempo, Ele igualmente capacita os seus escolhidos com a mesma sensibilidade para que possam atrair todos a Ele, caminho, verdade e vida.
Ninguém melhor do que o padre para saber de suas próprias fragilidades e limitações. Traz, porém, em si, um vigor santo, um olhar interior de ilimitada confiança n´Aquele que o constituiu seu instrumento e mensageiro. Por ser no mundo a voz do próprio Deus, busca sempre novos métodos, novo ardor missionário e novas expressões. Ele é presença visível do Cristo invisível; do Cristo que continua a curar, a abençoar, a ensinar e a salvar. Pela imposição de suas mãos, por seus gestos e palavras sacramentais ele disponibiliza os tesouros da graça divina. E dom inefável reserva seu coração para um amor exclusivo: Amai-vos como eu vos amei.
No padre, o Cristo continua a amar seu povo. Esse coração sacerdotal que não privilegia ninguém mas amplia sempre mais o objeto do seu amor, ao se oferecer diariamente no altar do Sacrifício Eucarístico, queima como holocausto místico suas imperfeições, oferecendo-se por si e pelos seus. Por isso, o padre é um homem de fé. Ele contempla os horizontes mais distantes como se fossem seu próximo passo; vê o que os outros nem imaginam porque não pensa em si, mas no bem maior que é a Igreja. Todo o seu ministério postula essa fé. A intimidade com o Senhor é a garantia e a certeza dessa sua missão no mundo. Por isso o padre não é um homem solitário; ele é solidário. Vive por Cristo, com Cristo e em Cristo e, com facilidade, pode testemunhá-lo.
Por ser um homem de esperança, e dela sendo ministro, semeia essa virtude no coração dos homens para que possam entender a pedagogia de Deus na economia da Salvação. Nessa visão, ele se coloca integrante de uma imensa procissão de homens que se fortaleceram na esperança e que a Sagrada Escritura enumera com freqüência, para garantir no mundo o amor infinito de Deus. Por isso, animado pelas virtudes teologais da fé, que o move, da esperança que o anima e da caridade que o inflama, o padre, mesmo não vendo os frutos de seu ministério, sabe que é Deus o seu bem maior. Como todos os cristãos, ele busca possuí-lo como fim último mas, como padre, ele deve incutir na humanidade esse desejo.
Para atingir esse grande objetivo, ele deve ser um homem de oração. Cada gesto se torna oração, cada pensamento, cada palavra, cada atitude. Ele vai se fortalecendo interiormente não apenas por seu esforço pessoal, mas porque também recebe de seu povo a força das intercessões. O povo que ama seu padre, reza por ele. A maior demonstração de amor que ele recebe, é a freqüente oração daquela multidão de irmãos e irmãs por quem se santifica e leva à santificação. Muitas vezes o padre se esquece de si mesmo, tão grande é o volume dos pedidos de orações que vai recebendo cada dia. Jesus mesmo viveu, com seus discípulos, experiência semelhante: Até agora, nada pedistes (Jo 16,24).
É preciso, ainda, ter em mente uma grande realidade. Jesus, ao constituir seus apóstolos, visava um trabalho em parceria e em equipe. Envia-os dois a dois e sempre os reúne para refletir e para rezar. O padre, igualmente, é membro de um presbitério que tem por centro o Cristo, presente e atuante na pessoa do Bispo. A comunhão com ele é fundamental para deixar evidente a eficácia do seu ministério. O padre é a extensão do coração do Bispo pastor e pai. No dia da ordenação, ele prometeu respeito e obediência ao Bispo e a seus legítimos sucessores.
Haverá alegria maior? Ser padre, porém, não é um privilégio que se adquire; é eleição, uma escolha particular da parte de Deus. Não são os méritos que contam, mas a capacidade de se deixar modelar por Deus. Ele vai modificando temperamentos e caracteres na medida em que a colaboração com a graça vai sendo uma resposta constante. O padre jamais é o mesmo. A cada momento e diante de cada exigência, Deus vai lhe permitindo novas possibilidades de superação.
O Bispo que governa a Igreja Particular recebe dos seus sacerdotes a demonstração da mais irrestrita fidelidade em colaboração, comunhão e partilha. O presbitério de uma Diocese representará sempre o grupo dos Doze, em torno de Cristo. Ao respeito e à obediência, prometidos e vividos ao longo do ministério partilhado, crescerá cada vez mais uma confiança mútua que gera laços de irrestrita caridade. O povo de Deus, sensível a essas manifestações de carinho mútuo dos sacerdotes para com seu pastor, vai se sentir seguro e feliz e repetirá naturalmente aquilo que se dizia dos primeiros cristãos: Vede como eles se amam. Esse deve ser o testemunho maior de um presbitério unido e santo. Por isso, o padre moderno há de ser homem de Deus e do povo. Deverá penetrar nos mais altos mistérios de Deus e condividir em cheio as sortes, a vida de nosso bom povo. Em uma palavra, o padre deve ser um santo dos tempos modernos.
Dom Eusébio Oscar Scheid
Arcebispo do Rio de Janeiro