Boa parte das pessoas sabe que é na célula mater, ou no seio familiar, que a virtude inicia seu florescer. Todos têm e expressam suas virtudes e qualidades no círculo social do qual fazem parte, cada qual com suas raízes e com seu talento. Todavia, com freqüência, pode-se, naturalmente presenciar, no convés do cotidiano, os deslizes da individualidade de cada um, inerente ao ser, sem exceção, sabendo-se que todos navegam no oceano da aprendizagem e dos exercícios do auto-conhecimento que a vida os obriga a fazer.
Iniciar-se-ia perguntando: por que tantos murmúrios e queixas da vida, de seus nuances e imprevisibilidade das ocasiões? Por que pequenas atitudes de algumas pessoas, entre as quais me incluo, perturbam o coração e a alma de outrem? Por que o procedimento de alguns, há, que se consideram detentores da razão e da verdade sem jamais cederem em suas murmurações?
São questionamentos que, por vezes diversas, perturbam e incomodam a consciência do homem, pois há os que, inadvertidamente, parecem seguir à risca as palavras de Paulo que diz: ‘Não entendo, absolutamente, o que faço, pois não faço o que quero; faço o que aborreço.’ (Rom 7, 15)
As murmurações são vértebras frágeis que sustentam hábitos reprováveis ou até um mesmo comportamento vicioso das idéias que alimentam cada momento do indivíduo no corpo social. Poder-se-á contar, também, com o livre-arbítrio para escolher e decidir. No entanto, Jeremias desperta, indistintamente, a todos alertando: ‘em tudo é enganador o coração, e isto é incurável; quem poderá conhecê-lo? Eu sou o Senhor, que perscruto o coração e provo os sentimentos, que dou a cada qual conforme o seu proceder e conforme o fruto de suas obras‘ (Jr 17, 9-10).
Ao consultar um bom dicionário ler-se-á que murmurar significa emitir som leve e frouxo, dizer em voz baixa, segredar, dizer mal, maldizer, conceber mau juízo, falar contra alguém ou algo, criticar, apontar faltas, ufa!.. quanta coisa! O murmurar dá-nos uma impressão bem negativa. No entanto, lendo estas palavras prefiro remeter-me outra vez a São Paulo para melhor compreensão, até mesmo, de meu comportamento: ‘que o sol não se ponha sobre o vosso ressentimento‘ (Ef 4, 26). Um verdadeiro e encorajador puxão de orelhas capaz de fazer o pecador reconhecer suas falhas, e a conseqüente obtenção da graça. Já em favor do vício, existem ene discursos induzindo muita gente ao erro e ao pecado. O mundo tem sido um grande gerador de variados vícios, e deseja, certamente, a todos conquistar com suas falácias, por isso todo o cuidado é pouco, já dizia minha finada avó.
É certo que somos caminheiros em marcha rumo à perfeição, por isso, de quando em quando, nos pegamos em atos que muito referem-se ao significado de tais termos que na prática muito nos prejudicam. Assim, acabamos por enxergar as limitações humanas quando algum momento adverso ocorre. Entretanto, o apóstolo Paulo faz recordar novamente o povo, alertando-o a fazer fugir o homem de todo o significado e atitude destas palavras: ‘fazei todas coisas sem murmurações nem críticas, a fim de serdes irrepreensíveis e inocentes, filhos de Deus íntegros no meio de uma sociedade depravada e maliciosa, onde brilhais como luzeiros no mundo, a ostentar a palavra da vida‘ (Fl 2, 14-15).
Nos dias atuais é possível observar o quanto o homem está vulnerável e melindroso. Infelizmente, o espírito humano, muitas vezes, se arma ‘até os dentes’ e expõe sua carência, não conseguindo demonstrar naturalidade para um simples diálogo com o outro. Irrita-se à toa, por qualquer bobagem fazendo-se ator de um monólogo ambulante. Obviamente, em quase todos os percursos encontrar-se-ão pessoas destinadas a desfiarem suas infindáveis murmurações, trazendo à tiracolo o mal-estar e o aborrecimento aos demais ouvintes, que, por sua vez, não estão isentos do contagioso defeito e nociva mania: ‘Nenhuma palavra perniciosa deve sair dos vossos lábios, mas sim alguma palavra boa. Toda irritação, cólera, gritaria, injúrias, tudo isso deve desaparecer do meio de vós, como toda a espécie de maldade.’ (Ef. 4, 29)
Perplexos, os seres decepcionam e sentem-se decepcionados com a moléstia, a qual recepcionam. Há outros, que, simplesmente cumprimentados, acham-se já no direito de descascar sua ladainha de inconformidades. ‘O que o homem tiver semeado, é isso que vai colher. Quem semeia na sua própria carne, da carne colherá corrupção. Quem semeia no espírito, do espírito colherá a vida eterna‘ (Gl 6, 7b-8)
A murmuração pode ser o portal para outros maus hábitos ou vícios mais perigosos. Devemos, portanto, evitar que sejamos a primeira peça a provocar o devastador ‘efeito dominó’. Abster-se de compartilhar conversas e opiniões hábeis, o suficiente, para desviar a boa-fé de outrem e buscar a oração em Deus, são um bom início para exercitar o corpo e o espírito para uma vida sem maldade na língua e máculas na alma.
Acabar com a causa-raíz de tal enfermidade requer determinação e coragem. Urge amar, amor que leva consigo a humildade, a mansidão e a obediência, três virtuosos pilares aptos a desabrochar no homem uma situação nova. Amor que suplanta pequenos e grandes vícios, amor que transpõe os liames do orgulho e das desigualdades, amor que deve ser a lição diária para a alma que deseja encontrar no irmão o Deus misericordioso e afável, pronto a perdoar.