Toda a vida terrena de Jesus, há cerca de dois mil anos, na Palestina da época, conforme os relatos dos Evangelhos, manifesta um Jesus muito próximo do povo. Mas era próximo especialmente dos mais sofridos, pobres e excluídos da sociedade, bem como dos que sabiam que nenhum homem pode nos salvar e por isso clamavam a Deus em busca de libertação e salvação, os assim chamados ‘pobres de Deus‘. Também por sua palavra insistia na necessidade de todos sermos solidários com os pobres, os injustiçados e os humilhados desta terra.
Morto na cruz e ressuscitado dentre os mortos, Jesus volta a seu Pai e por ele é glorificado, recebendo todo o poder e autoridade no céu, na terra e nos infernos. Contudo, ele não deixa de continuar próximo de nós e, obviamente, de modo especial próximo dos pobres e sofridos. Sua ressurreição e ascensão ao céu não o distanciou de nós, ao contrário, deu-lhe uma condição nova de estar ainda mais próximo, até mesmo no mais íntimo de nós mesmos, e de uma forma ainda mais eficaz e redentora, dando-nos o seu Espírito Santo, que nos transforma, santifica e torna filhos e herdeiros de Deus.
Esta proximidade de Jesus Cristo, em relação a nós, se mostra de forma muito concreta e modelar no episódio dos dois discípulos de Emaús, como consta do Evangelho de Lucas (24, 13-35).
O episódio se passa no dia da ressurreição de Jesus. Dois de seus discípulos estão voltando para sua casa, de Jerusalém para Emaús, depois de terem vivido o grande drama da paixão e morte de Jesus na cruz. Eles estão tristes e desanimados. Todo o seu sonho em relação a Jesus parecia haver terminado numa grande derrota. Mas, no meio do caminho, um peregrino se aproxima deles. Era Jesus, que havia ressuscitado naquela manhã. Mas eles não o reconheceram, logo. E começaram a relatar ao novo companheiro de viagem seu desânimo e tristeza por tudo o que havia acontecido com seu Mestre, Jesus de Nazaré. Jesus os ouvia atento e, sem se fazer ainda reconhecer, começou por lhes explicar as Escrituras, mostrando que nelas estava previsto que o Messias teria que sofrer e morrer para assim entrar na glória e salvar a humanidade.
Mostra-se assim que Jesus ressuscitado quer continuar próximo de nós. Ele toma a iniciativa e vai ao encontro de seus dois discípulos tristes e desorientados. Jesus os ama e por isso vai ao seu encontro para confortá-los, animá-los e orientá-los. Assim também o faz com cada um de nós e o faz com toda a humanidade: Jesus ressuscitado, Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre, vai ao encontro da humanidade que caminha neste mundo, sofrida, desorientada e tantas vezes com grande temor do futuro e do seu destino final. Jesus ressussitado vai ao encontro de cada um de nós que estamos neste caminho, quais peregrinos sofridos, sobrecarregados, temerosos, em busca de orientação e de força para a jornada diária, ansiando por salvação e libertação.
Jesus continua a compartilhar conosco a viagem e na medida em que o reconhecemos, o ouvimos e seguimos, reencontramos a alegria de viver apesar dos sofrimentos e canseiras, reencontramos a esperança segura de que a última palavra sobre nossa existência não será nem da morte nem do ódio, nem da exclusão e da injustiça, mas da vida e do amor, da libertação e da salvação definitiva, porque Deus nos ama, porque Deus é bom.
Foi ao partir e repartir do pão à mesa, que os discípulos de Emaús reconheceram Jesus. Sua palavra no caminho já os havia alentado, mas o gesto da partilha fez com que não duvidassem mais. Era de fato Jesus, que havia ressuscitado e estava com eles à mesa, partilhando o pão. A palavra é insubstituível, mas o gesto concreto deve ser o fruto da palavra. O amor mostrado na partilha mostrou que ele era realmente Jesus, a quem deve-riam imitar na partilha com os irmãos, em especial com os que pouco ou nenhum pão têm para pôr sobre a mesa.
Este encontro forte e decisivo com Jesus ressuscitado, fez dos dois discípulos ardorosos evangelizadores: eles voltaram correndo a Jerusalém para anunciar a ressurreição de Jesus. Conosco ocorre o mesmo, na medida em que descobrimos e encontramos Jesus na palavra e na partilha. O encontro com ele nos faz anunciá-lo aos outros.
Dom Cláudio Cardeal Hummes
Arcebispo de São Paulo