O homem é um ser vivo que sabe da sua morte, mas que, precisamente por isso, valoriza e afirma o fato de viver. A consciência de viver e ser ameaçado pela presença da morte não é, contudo, algo apenas ocasional. É o tecido da própria vida. A consciência da sua origem (de onde), da sua vocação (para onde), da sua capacidade para a transcendência, da necessidade da felicidade, da fragilidade e finitude, da morte não são apenas fases de uma vida. São a estrutura do próprio viver humano.
Quando pensamos em vida, pensamos então numa realidade dinâmica, multifacetada, não asséptica, não estática, que é passível de avanços e recuos e na qual o homem experimenta imensas tensões e contradições, mas que possui uma unidade interior. A vida não se resume a um conjunto de acasos e o seu sentido não se define em relação a fatos neutros, mas sim em relação a valores acolhidos e afirmados em liberdade. Dela fazem parte a memória, o amor e a esperança como definidores de sentido.
A alegria e o sofrimento surgem assim contextualizados na própria vida. Não são apenas algo que em alguns momentos se junta (justapõe) à vida, mas são a própria vida a acontecer. O homem não tem vida, é vida. A vida é o viver.
A tendência de olhar para alegria apenas como o que é motivado pelo que de bom nos acontece e de perspectivar o sofrimento pelo que de mau se nos depara, é imensamente redutora da pessoa humana. Como e em relação a quê definimos o que é bom e o que é mau? Apenas em relação ao imediato projeto pessoal da consciência de cada um (o apetecer)? Então a alegria seria sempre a concretização daquilo que cada um quer e da forma que quer, e o sofrimento seria sempre a incapacidade ou impossibilidade para fazer o que se quer e da forma que se quer. Não ficaríamos demasiado reduzidos a opiniões pessoais e, ao limite, a uma perspectiva demasiado individualista do viver humano? Quando houvesse sofrimento não haveria alegria e quando houvesse alegria não poderia estar presente o sofrimento.
A alegria não tem apenas as aparências da sonora gargalhada ou da boa disposição e o sofrimento não aparece apenas ligado à doença ou à tristeza da alma e do corpo. Ambos, alegria e sofrimento, são faces da mesma realidade porque têm que ver com a tensão do viver. O homem não é perfeito, não é pleno, mas é perfectível, pode atingir a plenitude. Está a caminho dentro de si e na história. É por isso que a vida é dinâmica. A sua liberdade só se vive com compromisso. E quando se compromete ele tem de discernir.
Se a realidade da vida do homem se pode comparar a uma caminhada, então ele não avança para o amanhã se não morrer ao hoje, constantemente. Assim a alegria e o sofrimento não são apenas experiências ocasionais, resultado da vida ou da consecução daquilo que se desejava, mas são o segredo do próprio viver. O sofrimento conduzirá à alegria e a alegria, para ser cada vez mais plena, passará pelo sofrimento. Haverá, evidentemente, muitas formas de sofrimento como também muitas formas de alegria. Mas é sempre assim que a liberdade humana se re-ordena e é assim que acontece a transformação da vida. A busca do sentido gera sofrimento porque é tensão entre o que se é (ou ainda não se é) e o que se pode vir a ser (que ainda não se possui). Mas essa busca, porque é de sentido, porque é de crescimento, gera sempre alegria porque está cada vez mais perto da plenitude.
Alegria e sofrimento dão assim corpo, na vida de cada homem, à experiência do dinamismo pascal. É pela morte que se vai à vida. Não se ressuscita apenas depois da morte, mas ressuscita-se na morte, ou seja, na medida em que se morre. É o carácter pascal do nosso viver quotidiano. E a vida ressuscitada dá os seus frutos: actividade fecunda e unificada, capacidade de renúncia por amor e de entrega, esperança firme, oração perseverante (2 Cor 4, 10-12) e, enfim, alegria. A vitória está em, todos os dias, passar pela morte, não em fugir-lhe. É sofrer o desapego do pecado, sofrer a libertação em relação ao egoísmo, sofrer a libertação da dependência de bens materiais e outros. O sofrimento corrige as vaidades e auto-suficiências, promove a humildade, purifica as fraquezas e, sobretudo, faz aprender a discernir o essencial. Mas é assim que se alcança alegria. E aí, sem masoquismos, o próprio sofrimento é fonte de alegria porque é ocasião de uma vitória do homem-espiritual sobre o homem egocêntrico.
É este, portanto, o grande desafio do Cristianismo: realizar na vida o mistério pascal do próprio Cristo. O homem não vive, então apenas a partir de si, mas aprende a viver uma vida realmente humana a partir de outros e do Outro (Deus). É então que é verdade que, enquanto homens, nos recebemos (encontramos sentido) do facto de nos darmos (liberdade em amor). A alegria não é então a posse de um dado, mas é este ritmo que na morte nos liga à vida. É pela morte que se vai à vida. É a harmonia com o projecto de Deus.