Escatologia cristã: compreendendo as últimas coisas e a história da salvação
O que é escatologia e qual a sua importância para a vida cristã?
A escatologia é um campo fundamental da teologia cristã, derivado dos termos gregos eschata (coisas últimas) e logos (conhecimento). Ela se dedica à reflexão da fé sobre as últimas coisas, abordando a consumação do homem e do universo. Compreender a escatologia é crucial para a vida cristã, pois oferece um sólido fundamento para a esperança de uma vida plena além da morte e nos exorta a viver com uma perspectiva eterna, reconhecendo nossa jornada terrena como peregrinos rumo à Jerusalém celeste.
Divisões da Escatologia:
A Escatologia é tradicionalmente dividida em três áreas principais:
- Escatologia Individual: Estuda o destino de cada ser humano após a morte, incluindo conceitos como morte, juízo particular, céu e inferno.
- Escatologia Intermediária: Abrange o período entre a morte de uma pessoa e a ressurreição final, com foco no purgatório e no estado da alma antes do último dia.
- Escatologia Universal: Concentra-se na vinda gloriosa de Cristo e na plenitude do Reino de Deus, englobando a Segunda Vinda de Cristo, o Juízo Final, a ressurreição dos mortos, a consumação do cosmo e as realidades do céu e inferno.
Conforme o Papa Bento XVI, a Igreja tem a tarefa de guiar as pessoas a olhar além das realidades imediatas e buscar as últimas coisas, mesmo que os “novíssimos” (morte, juízo, inferno, céu) pareçam irreais para a mentalidade contemporânea. As respostas para as tribulações cotidianas são incompletas se não nos permitem vislumbrar a dimensão espiritual da existência, o juízo, a graça e a eternidade.
A visão cristã da história: Deus como princípio e fim
A visão cristã da história é profundamente teológica, com Deus como seu princípio e fim. Isso implica que a história possui uma direção clara, caminhando rumo à plenitude, onde “Deus seja tudo em todos”. O curso da história é guiado por um Deus amoroso, manifestando-se como uma “história da salvação”. Essa narrativa é escrita por Deus e pela criatura racional (homem e anjo), desenvolvendo-se no diálogo entre a liberdade do Criador e da criatura.
Cristo: o Alfa e o Ômega da história
Cristo é o Alfa e o Ômega da história, seu princípio e seu cumprimento. Sua vinda marca o evento central da história, a plenitude dos tempos, iniciando a última fase que será concluída com seu retorno. São João Paulo II ressalta que somente Jesus Cristo é digno de revelar e realizar o plano criador e salvador de Deus, dando sentido à história e dissipando as trevas da desesperança humana.
A relação entre tempo e eternidade na perspectiva cristã
Com a Encarnação do Filho de Deus, o tempo adquire uma nova qualidade, tornando-se uma dimensão de Deus, que é eterno. Em Cristo, o tempo humano se enche de eternidade. Através da fé e dos sacramentos, especialmente a Eucaristia, o homem já participa da vida divina de Cristo, o que implica uma partilha de sua eternidade.
Assim, a história se abre para a eternidade, e a vida eterna começa na existência terrena, orientando-a para a vida celeste em verdadeira continuidade. São João Paulo II enfatiza que, no cristianismo, o tempo é fundamental, sendo o palco da criação e da história da salvação, culminando na “plenitude do tempo” da Encarnação e no regresso glorioso do Filho de Deus.
As três leis da história da salvação
A dimensão trinitária da história reflete o mistério da Santíssima Trindade, caracterizado por um “movimento circular” onde tudo procede do Pai e a Ele retorna. A história da salvação é um prolongamento desse mistério, originando-se no coração amoroso do Pai, que nos escolheu em Cristo para sermos filhos adotivos. O Filho de Deus vem ao mundo para nos levar, e a toda a criação, de volta ao Pai.
A salvação é a autocomunicação progressiva de Deus à criatura, que começou com a criação, atingiu sua plenitude na Encarnação e culmina no dom total de si na Eucaristia. A Eucaristia é o sacramento central, representando a descida de Deus ao homem e a ascensão do homem a Deus, um esvaziamento (kenosis) de Deus para preencher o homem e a criação com Sua vida divina.
As três leis fundamentais da história da salvação são:
- Lei da Aproximação de Deus à Criatura (Kenosis): O esvaziamento e despojamento de Deus (cf. Fil 2,6-11).
- Lei da Transfiguração da Criatura por Deus (Plerosis): A elevação e divinização da criatura por Deus, que encontra sua plenitude em Cristo.
- Lei da União de Todas as Criaturas com Deus e Entre Si: Segundo o modelo da união trinitária: “Que todos sejam um como nós, eu em Ti e Tu em mim” (Jo 17,21). A Igreja é o sacramento dessa união.
Parusia: a vinda de Cristo e sua presença oculta
O termo “Parusia” possui dois significados complementares:
- Visita/Vinda Solene: Refere-se à chegada de uma figura eminente (rei, imperador) ou à vinda solene de uma divindade através de ritos sagrados.
- Presença Oculta: Significa uma presença já latente, como a presença da forma na matéria.
O conceito cristão da “Parusia de Cristo” no Novo Testamento e na Igreja antiga é eloquente. Por um lado, indica que Jesus, que veio na humildade, foi crucificado e ressuscitou, retornará no fim dos séculos como Rei e Soberano para julgar vivos e mortos e inaugurar o Reino consumado. Por outro lado, a Parusia também se refere à manifestação de uma presença já latente do Senhor neste mundo. Cristo já está presente na terra, e a Igreja é o sacramento dessa presença e atuação, culminando na Eucaristia, o sacramento de Sua presença oculta.
A vinda gloriosa do Filho do Homem será a plena manifestação de Sua presença e ação oculta na história, tornando-se visível para todos. Papa Bento XVI destaca que o Apocalipse se encerra com a promessa do regresso do Senhor e a súplica “Vem, Senhor Jesus!”, que reflete tanto o anseio por Sua vinda quanto a certeza de que “Ele veio”. A experiência de Sua presença na Eucaristia impulsiona a tensão para o futuro, para a presença definitivamente realizada.
As três vindas de Cristo
Os Padres da Igreja, conforme Papa Bento XVI, reconhecem três vindas de Cristo:
Primeira vinda (humildade): Marcada pela Encarnação, quando o Filho de Deus veio ao mundo na humilde aparência de uma criança, vivendo uma vida simples e culminando em Sua humilhação na cruz, antecipada pela entrega de si na Eucaristia.
Segunda vinda (triunfante e gloriosa): O retorno glorioso no fim dos tempos, visível como um relâmpago, quando Ele virá como Juiz para consumar Sua obra, encerrar a história e iniciar Seu reino escatológico.
Vinda intermediária (oculta): São Bernardo a descreve como uma vinda que ocorre na alma dos fiéis, lançando uma “ponte” entre a primeira e a última. Esta “encarnação espiritual” tem Maria como arquétipo, e se manifesta através da Palavra, dos sacramentos (especialmente a Eucaristia) e de eventos históricos, como o agir de figuras como São Francisco e São Domingos [4].
A Eucaristia e a segunda vinda de Cristo (parusia)
Deus Pai quis que Seu Filho unigênito permanecesse presente entre nós como companheiro de jornada rumo à eternidade. Cristo cumpriu essa promessa na Última Ceia, instituindo o sacramento de Seu Corpo e Sangue. A Eucaristia, onde Cristo está presente como o Senhor ressuscitado, antecipa e prepara Sua segunda vinda, que será Sua presença consumada e visível no fim dos tempos, quando Deus será tudo em todos.
A Parusia de Cristo, Sua presença, permanece conosco na Eucaristia, embora ansiemos pela plenitude dessa presença. O Catecismo da Igreja Católica (CIC 1404) afirma que a Igreja sabe que o Senhor vem em Sua Eucaristia, e que ali Ele está, no meio de nós, embora velado. Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI) complementa que “Cada Eucaristia é parusia, vinda do Senhor; e, ainda, a Eucaristia é, inclusive, o mais verdadeiro desejo ardente de que Ele, por fim, revelaria a Sua Glória escondida”.
São João Paulo II ensina que a celebração da Eucaristia não apenas torna presente o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, mas também antecipa o mistério de Sua segunda vinda. É um memorial da primeira vinda e uma proclamação antecipada da segunda, sendo a garantia da esperança futura e uma realização encorajadora em nosso caminho para a eternidade [5].
Sinais da segunda vinda
Entre os sinais positivos da segunda vinda de Cristo, destacam-se:
- O anúncio universal do Evangelho (Mt 24, 14).
- A conversão dos judeus ao cristianismo.

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