Era um daqueles sábados de atendimento quando chegou uma família completamente assustada: um adolescente havia tentado contra a própria vida. Dizia não ter mais vontade de viver, não encontrava sentido, embora, nas reuniões familiares e nos encontros com os amigos, parecesse alguém alegre. Recordei do Salmo 25,16-17 que diz: “Olhai para mim e tende piedade de mim, pois estou só e aflito. As angústias do meu coração se multiplicaram; livrai-me da minha aflição”. Esta passagem é um pedido de auxílio e misericórdia a Deus, expressa a solidão e sofrimento, e pede a Deus para ser liberto das suas tribulações.

Créditos: PeopleImages by Getty Images / cancaonova.com
Quase sempre, quando acontece isso, as pessoas esperam que o padre faça uma oração, que se “doutrine” quem pensa em suicídio e que isso mude tudo. Mas a oração não é mágica capaz de, num estalar de dedos, arrancar o sentimento de rejeição, a dor ou o desejo de isolamento. Como tudo na vida, isso exige um processo.
A importância da escuta atenta e ativa
Nesses casos, o meu procedimento foi sempre ouvir cada parte separadamente. Uma escuta atenta e ativa. Primeiro, ouvi o adolescente: deixei que falasse tudo o que sentia, sem julgamentos ou pré-conceitos. Em seguida, ouvi os tutores e os avós — atentos ao cuidado que prestavam desde a morte dos pais. No final, perguntei: “Ele nunca demonstrou nada?” Responderam: “Não, padre! Sempre foi uma pessoa maravilhosa, nunca nos deu trabalho; não sai com os amigos, fica no quarto, não nos dá trabalho nenhum”.
Foi aí que acendeu o meu alerta. O silêncio e a timidez daquele jovem já eram sinais de algo que precisava ser trabalhado. Penso no termo “desembrulhar”: sabe quando um novelo de linha está todo embrulhado? É preciso encontrar a ponta e, com paciência, ir desenrolando até a linha ficar organizada de novo. Assim acontece com muitos que atravessam depressão, síndrome do pânico, sentimento de rejeição — dramas internos que fazem com que não vejam outra saída senão tirar a própria vida. No fundo, não é a vida que desejam matar, mas o sofrimento que ela lhes causa. Em algum momento, perdem a paciência de desenroscar os fios trançados de seus dramas e dizem: “Chega, cansei disso”.
Aceitação e confiança em programas pré-estabelecidos
Todo sentimento de impaciência vem acompanhado de sinais sutis, percebidos apenas por quem não se contenta com padrões. E esse é um dos problemas da nossa sociedade: habituamo-nos a aceitar padrões — de beleza, de felicidade — e confiamos em programas pré-estabelecidos, como máquinas. Não por acaso, nossa relação com o mundo tem-se voltado para interações mediadas por tecnologia e inteligência artificial, sistemas que reproduzem padrões e oferecem uma sensação de estabilidade e segurança.
Ao nos apegarmos a esses padrões, perdemos a força das relações humanas. Aceitamos que, se alguém sorri em uma foto, está feliz, sem notar os pequenos sinais do cotidiano — sinais que só vemos quando temos coragem de romper os padrões e olhar além.
Leia mais:
.:Como tenho vivido minhas relações?
.:Setembro é amarelo, mas a vida é para ser primavera
.:Por que há tantos suicídios de jovens?
Nenhuma máquina substituirá o humano
Enquanto escrevia este texto, pensei se devia alertar sobre os perigos das novas tecnologias ou resgatar a importância das relações humanas, únicas para cada pessoa e fundamentais para a valorização da vida.
Nenhuma máquina substituirá o humano, por mais revolucionárias que sejam as novas tecnologias. Mesmo que a inteligência artificial facilite muitas tarefas de busca e pesquisa, olhar nos olhos, ouvir o silêncio e entender as pausas é o que gera empatia e interação real.
Padre Robson Caramano
Padre da Diocese de São Carlos, Mestre em Linguagens, Mídia e Arte pela PUC Campinas e aluno do Programa de Mestrado em Filosofia com Especialização em Filosofia Prática da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Coordenação do Departamento de Comunicação do Pontifício Colégio Pio Brasileiro.