Evangelizando a Ilha dos Santos
Da Escravidão ao Apostolado
O chamado de Deus
Falar de Maewyn Succat, nome de batismo, mais conhecido por São Patrício (389-461d.C.), o padroeiro da Irlanda, é retornar à medievalidade e rememorar os enormes desafios de evangelização de povos bárbaros. Quando tinha cerca de dezesseis anos, piratas da Bretanha levaram-no para a Irlanda, onde viveu, por volta de seis anos, tomando conta de animais. Ao regressar à sua terra natal, sentiu-se chamado para trabalhar como missionário entre o povo irlandês.
A Conversão da Irlanda
São Patrício dedicou-se ao trabalho entre os celtas da Irlanda, no século V d. C, no período compreendido entre 432 e 461 d. C., e, a despeito da presença dos sacerdotes da religiosidade druida, conseguiu fazer daquela terra um lugar de forte presença da fé cristã. Ele promoveu a evangelização que se enraizou em terras irlandesas, organizando os cristãos em torno dos mosteiros, especialmente, nas áreas tribais (Cairns, 2008).
Um centro de fé
A Irlanda tornou-se um centro de onde missionários eram enviados para trabalhar não somente em solo irlandês, mas também no continente europeu. Numa perspectiva histórico-cultural, reconhece-se que a Igreja irlandesa, fundada por São Patrício, teve bastante destaque no norte europeu, mais precisamente, entre os séculos VI e IX (Cairns, 2008).
Formação e retorno à Irlanda
É possível mesmo dizer que a conversão da ilha irlandesa, de fato, foi mérito da intensa atividade apostólica de São Patrício (Bihlmeyer; Tuechle, 1960). Seus estudos foram realizados na Gália, onde começou a conhecer a vida do claustro e foi consagrado bispo, entre os anos de 431 e 432, pelo Papa Celestino I.
Desafios e Legado
Enfrentando dificuldades e fundando igrejas
São Patrício decidiu voltar à Irlanda, como missionário, em virtude de visões e sonhos proféticos (Bihlmeyer; Tuechle, 1960). Ele chegou a Slane em 25 de março de 432. O bispo que o precedeu tinha regressado à sua pátria, com certo desânimo, após menos de dois anos de missão. Logo, São Patrício teve de enfrentar sérias dificuldades. O chefe de uma das tribos dos druidas procurou matá-lo. Apesar de não ter sido morto, ficou preso cerca de sessenta dias. Ele fundou a sede episcopal de Armagh, na Irlanda setentrional, a qual se tornou, mais tarde, a Igreja Metropolitana da Irlanda. O país não virou apenas centro de ascetismo monástico austero – Irlanda: Ilha dos Santos -, mas também símbolo de cultura erudita. São Patrício é mais conhecido por duas obras, Confissão, sua autobiografia espiritual, na qual mostrou seu grande temor e amor a Deus, e Carta aos Soldados de Coroticus, uma denúncia de toda sorte de maus-tratos a um general do século V d. C., cujos soldados, nos dizeres do pregador, estavam manchados com sangue de cristãos inocentes. Atribui-se a ele o estímulo aos estudos na Irlanda e o fato de os mosteiros irlandeses terem se convertido em “[…] importantes centros de ensino, proporcionando instrução tanto a monges como a leigos” (Woods Jr., 2008, p. 49).
O significativo trabalho de conversão da Irlanda, a formação desse baluarte do catolicismo, que se conserva até os diais atuais “[…] deve-se a São Patrício, e é com toda a justiça que o grande missionário é considerado um herói nacional” (Rops, 1991, p. 218).
O Trevo e a Santíssima Trindade
Além da bem-sucedida atividade apostólica, em relação a São Patrício também foi desenvolvida uma notável e densa aura de lenda (Bihlmeyer; Tuechle, 1960). Já no século VII, muitas lendas tinham surgido em torno da figura de São Patrício. Uma delas, por exemplo, conta que ele expulsou as cobras da Irlanda, atirando-as ao mar. Outras dizem que ele orou por comida para um grupo de marinheiros famintos, performou por ressuscitações e, notadamente, usou o trevo de três folhas – shamrock -, planta símbolo da Irlanda, para explicar a Santíssima Trindade aos pagãos irlandeses.

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O recurso didático
A Tradição diz que ele se valia da planta como uma metáfora para mostrar que Deus é uno e trino, isto é, uma unidade que se divide em Pai, Filho e Espírito Santo. Os pagãos celtas acreditavam que cada folha do trevo tinha um significado. São Patrício se valia da planta como um recurso didático, pedagógico e teológico em igrejas, mosteiros e escolas. Remonta ao ano de 1776 o primeiro testemunho dessa explicação de São Patrício sobre a Santíssima Trindade, valendo-se do trifólio, essa planta de três folhas, interligadas por uma haste, encontrada em solo irlandês.
O trifólio, um elemento da natureza, passou a ser, religiosa e culturalmente, bastante popular entre os irlandeses. É um marcante símbolo da festa da São Patrício, celebrada em dezessete de março, data em que se acredita ter ocorrido o seu falecimento em Saul.
Bispo, missionário e pregador
Assim, é importante lembrar que São Patrício foi bispo, missionário e pregador notável, destacando-se como grande divulgador da fé cristã em tempos difíceis, quando o paganismo era a característica cultural e religiosa de vários povos europeus. E a sua santidade foi reconhecida, sobretudo, em virtude de seu enorme empenho pela conversão das pessoas à fé cristã, não poupando esforços para disseminá-la por meio da força evangelizadora da Santíssima Trindade trifólica. Não por outro motivo, as imagens de São Patrício representam-no, em geral, com uma cruz, em uma mão, e um trifólio, na outra.
Marcius Tadeu Maciel Nahur
Natural de Lorena (SP), Coordenador do Curso de Filosofia da Faculdade Canção Nova. Formado em Direito, História e Filosofia. Mestrado em Direito com ênfase na Filosofia de Henrique Cláudio de Lima Vaz. Delegado de Polícia Aposentado.
Referências
BIHLMEYER, Karl; TUECHLE, Hermann. Storia della Chiesa: l’antichità cristiana. Brescia: Morcelliana, 1960. v. I. 525 p.
CAIRNS, Earle Edwin. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. Tradução de Israel Belo de Azevedo e Valdemar Kroker. 3. ed. São Paulo: Vida Nova, 2008. 671 p.
ROPS, Daniel. A Igreja dos Tempos Bárbaros. Tradução de Emércio da Gama. São Paulo: Quadrante, 199. 644 p.
VATICANO. São Patrício Bispo, Apóstolo da Irlanda. Dissponível em: https://www.vaticannews.va/pt/santo-do-dia/03/17/s–patricio-bispo–apostolo-da-irlanda.html. Acesso em: 03 mar. 2025.
WOODS JR., Thomas E. Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental. Tradução de Élcio Carillo. São Paulo: Quadrante, 2008. 288 p.