O lema da Campanha da Fraternidade sobre os Povos Indígenas apresenta a forte utopia que animava os povos que habitavam este continente. Eles tinham uma profunda identificação com a generosa terra que lhes servia de contexto vital, e guiavam sua relação com ela sonhando-a como TERRA SEM MALES.
O paradigma do Povo de Deus projeta sua luz sobre os Povos Indígenas, repercutindo e ampliando o seu significado e suas interpelações à luz dos desígnios salvíficos. Assim, o lema da Campanha da Fraternidade retoma a utopia bíblica da TERRA PROMETIDA, objeto central da promessa e força condutora da trajetória do povo de Israel. A Bíblia fala da Terra Prometida, os Povos Indígenas sonham com a Terra Sem Males. A Campanha da Fraternidade nos convida a perceber como as duas formulações se iluminam, se complementam, e se corrigem mutuamente.
Os Povos Indígenas nos ensinam a retomar o olhar do Criador sobre a natureza. Deus viu que tudo era bom. Mesmo sem conhecerem a segunda escritura, os Povos Indígenas sintonizam, admiravelmente, com a leitura que Deus faz de sua criação. Retomar o olhar de Deus sobre a terra, devolvendo a ela sua bondade inicial, é o primeiro apelo que o lema da Campanha nos faz.
O relacionamento harmonioso dos Povos Indígenas com a natureza traz preciosas lições para a civilização ocidental, necessitada de urgentes correções de rumo na sua postura com o meio ambiente. A crescente consciência da profunda interdependência da humanidade com a natureza faz compreender melhor a versão bíblica de que Deus fez o homem do barro da terra. Assim os Povos Indígenas também o testemunham e vivenciam.
Esta identificação do homem com a terra não leva a um nivelamento imanentista, que nega a diferenciação da humanidade diante da natureza, e isenta o homem de suas responsabilidades com a criação. Ao contrário, a cultura indígena demonstra a necessidade de preservar conscientemente a bondade da natureza, e cultivar suas potencialidades, de acordo com as leis naturais e dentro dos objetivos da sobrevivência humana. Existe uma harmonia entre homem e natureza, que os Povos Indígenas nos ensinam a descobrir e a assumir.
A convicção de que a terra é detentora de uma bondade própria, que precisa ser respeitada e que não pode ser espoliada pelo homem, corrige uma interpretação equivocada, que pode existir, da versão bíblica da terra prometida. Uma compreensão expansionista desta promessa já foi causa de tantas guerras, e se constituiu, certamente, na perversão maior dos conquistadores, que acabaram não só espoliando os Povos Indígenas de suas terras, mas também introduzindo neste continente a dinâmica da deterioração da natureza. Sustar este processo, e devolver aos Povos Indígenas as terras que lhes são indispensáveis para a sua sobrevivência, é compromisso que esta Campanha vem reiterar.
O sonho da Terra Sem Males mostra a urgência de sermos sempre motivados por utopias que tenham os pés na terra, mas que estimulem a realização progressiva dos desígnios que são de Deus, mas que precisam ser nossos, pelo esforço de identifica-los e de construí-los juntos. A fé urge a insurreição contra a atitude entreguista, dos que se resignam a deixar que o mundo seja espoliado pela ganância dos ambiciosos.
Os profetas estigmatizavam com vigor a burocracia religiosa que pactuava com a mentalidade dos invasores, renunciando à utopia das promessas. A Igreja não pode se sentir aliada do sistema que rouba até o sonho dos pobres. Ao contrário, ela precisa testemunhar, e estimular, a busca coletiva de um outro mundo, que é possível, porque está em germe na própria natureza, porque é postulado por Deus, e porque pode ser assumido pela humanidade.