Dignidade do trabalho humano

O excepcional desenvolvimento científico, técnico e econômico dos últimos dois séculos produziu uma situação de prosperidade. Acumulam-se capitais, tecnologia, experiência empresarial e administrativa, ganhos e consumos. É a civilização do trabalho e do bem-estar, rica em valores e ambigüidades, cujas raízes se alimentam na própria tradição cristã.

Ultimamente, ouvimos a cada dia notícias de oscilação de pregões nas bolsas e no câmbio: perdas e ganhos que se revezam de acordo com interesses internacionais mais altos. Mas também ouvimos notícias sempre preocupantes sobre o desemprego, a miséria plena de sofrimentos pela fome; insuficiência da prestação de atendimento à saúde, e de educação de qualidade para todos; falta de moradia decente para os que não têm como pagar aluguel e muito menos como adquirir a sua casa.

As políticas governamentais não convencem. O privilégio é para o capital e não para o trabalho humano. As desigualdades sociais vão alcançando espaços mais largos. O governo está mais preocupado com obras materiais que deixarão alguma lápide ou monumento alusivo, que não resolvem injustiças e sofrimentos. Parlamentares com votações secretas insensíveis ao clamor social, preocupam-se em salvar mandatos comprometidos com a corrupção ativa e passiva e não se importam com a urgência de projetos de prioridade máxima para o bem comum. O que dizer da carga fiscal, uma das mais altas do mundo?

O trabalho humano é, simultaneamente, necessidade vital e afirmação de liberdade, sinal de dependência e de transcendência em relação à natureza. Só o homem trabalha porque, ao contrário dos outros animais, é sujeito inteligente, capaz de projetar e operar criativamente. Enquanto produz coisas úteis, também desenvolvem a sua humanidade e um conjunto de valores importantes, como iniciativa, coragem, realismo, tenacidade, ordem e solidariedade. Exprime e realiza a sua dignidade de pessoa. Deste modo, pode se falar de um direito do homem ao trabalho: a própria liberdade, respiração da pessoa é, de certo modo, condicionada pelas exigências primordiais do trabalho e do pão, especialmente para a gente pobre.

Para que o trabalho possa revelar e manter o seu sentido, não deve gastar todas as energias. Deve deixar espaço para a contemplação, para a amizade, para a família e para o lazer. Eis a finalidade do repouso, tendente não só à recuperação das forças físicas, em ordem a uma nova fadiga, mas também à consolidação das motivações fundamentais da existência. E é muito oportuno, mesmo até indispensável, que o repouso se concentre particularmente em dia de festa, para se celebrar comunitariamente a beleza da vida e para se experimentar em conjunto a proximidade benevolente de Deus.

Quem trabalha com amor, respeitando a dignidade de todas as pessoas, não só contribui para o progresso terreno, mas também para o crescimento do reino de Deus. Prolonga a obra do Criador e coopera na realização do desígnio da Providência na história, associando-se a Cristo redentor. Aproxima-se de Deus, fazendo sua a plenitude de sentido por Ele dada ao trabalho. Mas, para vivê-la consciente e coerentemente, necessita de formação adequada e de momentos de espiritualidade. Em especial, precisa do repouso e da festa, que é dom de Deus como o trabalho.

O tempo deixado pelo trabalho produtivo é muitíssimo mais longo que outrora, com tendência para ainda crescer mais. De per si, é um fenômeno positivo. O tempo livre corresponde a uma necessidade profunda da pessoa e é uma realidade que tem em si mesma a sua própria finalidade e valor enquanto expressão de criatividade, convivência e espiritualidade.

Infelizmente, a lógica da produção e do lucro invade também o tempo livre e sufoca a criatividade pessoal. Daí resulta tantas insatisfações e tensões, a ponto de já se notar a necessidade de libertar o tempo livre. É preciso uma sábia educação para o turismo, para o divertimento, para o esporte e para o uso dos meios de comunicação social.
A espiritualidade da vida econômica caracteriza-se por estes valores: sobriedade, disponibilidade, partilha dos bens, seriedade e competência no trabalho, solidariedade social, sensibilidade política, atenção às exigências da própria família.