Ao longos dos séculos, a liturgia nos diz que Maria, pelo martírio do coração, o mais doloroso, mereceu o título de Rainha dos Mártires. E assim nos recorda as memórias que, ao longo do ano, celebramos; e, durante a Semana Santa, meditamos também sobre a “Figura” da mãe do Senhor, tão unida ao seu mistério Pascal. Com a piedade popular, chamamos a mãe do Redentor de “Senhora das Dores”, da “Piedade” da “Agonia”, da “Pietá”, da “Saudade” da “Paixão”, tudo isso assim para meditarmos sobre o papel importante que Maria teve em toda a missão salvífica de Cristo, principalmente aos pés da Cruz. Sendo assim, Ela é uma fiel colaboradora no mistério da Redenção. Basta lembrar daquele hino tão belo do “Stabat Mater”, ou seja, estava a mãe de pé. Toda a vida de Maria foi, sem dúvida, um estar de pé, um estar fiel, mesmo diante das contrariedades da vida. Maria estava firme, estava perseverante na fé. Ela soube confiar! Soube, acima de tudo, esperar. Com o filho morto nos braços, com o coração dilacerado, Ela, a “mártir do coração”, sofreu tudo, unida às dores do seu filho. A espada profetizada por Simeão dilacerou o coração de Maria muitas e muitas vezes. Maria, com todo o seu sofrimento de Mãe unido ao do seu Divino Filho, colaborou com a redenção do mundo. Todo sofrimento unido ao de Cristo é redentor.
Ao olharmos para a imagem da Virgem da Piedade, nossos olhos se prendem na fé de Maria, uma fé esperançosa. Com o coração transpassado, Ela guardou a fé. Não se desesperou diante dos possíveis alimentos da vida, mas soube esperar acima de tudo. A fé de toda Igreja se resume assim à fé da “Filha de Sião”, de Maria, aos pés da Cruz. Uma fé que não para na morte, mas sabe ver além. Além de todo aquele cenário existe a Páscoa, existe a ressurreição que tudo vence. Porque, para nós, cristãos, a morte não tem a última palavra. Cristo, ao entrar no túmulo, santificou os túmulos do mundo inteiro e, a partir daí, o túmulo não é mais lugar de morte, porém, em Cristo vitorioso, se torna um lugar pascal.
A fé da senhora piedosa é a fé pascal
Papa Bento XVI nos diz: “Maria vive hoje na alegria e glória da ressurreição. As lágrimas derramadas ao pé da cruz transformaram-se num sorriso que nada mais apagará. Sorriso esse que sempre vem em nosso socorro, não só nos dias atuais, mas ao longo de toda a história da humanidade. A oração “Memorare” (Lembrai-Vos) exprime muito bem este sentimento. Maria ama cada um de seus filhos, concentrando a sua atenção de modo particular naqueles que, como o Filho d’Ela na hora da Paixão, se acham mergulhados no sofrimento e na dor; ama-os porque são seus filhos entregues a ela por Jesus na hora de sua crucificação”. Nenhuma lágrima derramada unida ao sofrimento de Cristo será esquecida.
Por isso, a fé da Senhora Piedosa é a fé pascal, uma fé que caminha no escuro da dor. Nas incertezas, caminhar é preciso e não para nos acontecimentos externos. A Virgem das Dores sabe esperar porque, antes de tudo, Ela acreditou. A fé e a esperança a sustentam de pé diante dos sofrimentos e da cruz. A Virgem soube acreditar, Ela não se rebelou contra Deus, não questionou, mas acreditou que o amor é maior do que tudo! Foi a partir do sim de Maria que Deus entrou no mundo. O seu sim foi a porta pela qual Deus se encarnou e se fez homem por amor ao homem. Na profundidade do seu ser, a Igreja recebe Maria por Mãe aos pés da Cruz. Jesus ao confiar sua mãe a João está confiando sua Mãe a Igreja; e a Igreja a sua Mãe. Em João, está representada a Igreja. Todos nós nascemos ali, aos pés da Cruz, nós que a chamamos de Mãe e também aqueles que não aceitam que são seus filhos.
Nos ensina Papa João Paulo II: “Cristo ao morrer conferiu à sempre Virgem Maria uma nova maternidade — espiritual e universal — em relação a todos os homens, a fim de que cada um deles, na peregrinação da fé, à semelhança e junto com Maria, lhe permanecesse intimamente unido até à Cruz; e assim, todo o sofrimento, regenerado pela virtude da Cruz, de fraqueza do homem se tornasse poder de Deus”.
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Foco na Páscoa
Portanto, se Abraão heroicamente sofreu preparando-se para imolar seu filho, isso não durou senão por algumas horas, e um anjo desceu do céu para impedir a imolação de Isaac. Ao contrário, depois do momento em que o velho Simeão predisse a Maria a paixão de seu Filho, já claramente anunciada por Isaías, e sua própria paixão, ela não cessou de oferecer aquele que devia ser sacerdote e vítima e de oferecer-se com ele. Essa oblação dolorosa durou não somente algumas horas, e sim anos, e se um anjo desceu do céu para impedir a imolação de Isaac, nenhum desceu para impedir a de Jesus. Por isso, Romano Guardini, grande teólogo da Igreja, nos diz que a fé de Abraão é pré-anúncio da fé de Maria, a fé do “pai da fé” é sombra da fé da filha de Sião.
A Senhora da Piedade é a senhora da fé que sabe esperar, daquela fé que não se desespera, e sim confia; que sabe que por trás de todo aquele cenário de dor, existe algo muito maior, mais profundo. Diante da Cruz do Seu filho, Ela foi presença concreta, não tinha como o tirar daquele lugar de suplício, mas foi presença, permaneceu fiel. Ao olharmos com um olhar meramente humano, talvez, a sua presença foi presença impotente, mas de mãe. “Não posso te tirar daí, meu Filho, mas estou aqui, tua mãe tá aqui”. Toda a história de Maria é um caminhar na fé. Um confiar acima de tudo nas promessas de Deus.
“Senhora Piedosa, Mãe das dores e da fidelidade, ensina-nos a não pararmos nos sofrimentos encontrados no caminho, mas ensina-nos a olhar além, olhar além deste mundo para a Páscoa. E que os meus sofrimentos e dores unidos aos de Cristo se transformem em redenção; e que as dores me façam alguém melhor e mais santo. Contigo, Virgem das Dores, sigo o Cristo carregando minha cruz de cada dia, não sei quantas serão as estações da minha Via-sacra, quantas estão previstas para o meu caminho, só sei que, como Mãe, me acompanhas e me sustentas em cada uma delas para além do calvário para a ressurreição.”