O Carnaval é sinônimo de folguedos e, em particular, de excessos e ofensas à moral. O bom senso se torna mais necessário neste período, para evitar dolorosos e tardios arrependimentos. Muito expressivo o fluxo de viajantes. Uma parte significativa da população se retira do Rio de Janeiro. Não faltam, nessa ocasião, notícias sobre o evento e suas conseqüências, como o número de ônibus extra na rodoviária, aviões lotados, o perigo das rodovias e a cifra de acidentes. Em sentido contrario, chegam muitos à cidade, inclusive vindos do estrangeiro. A indústria do turismo divulga cifras elevadas. Há grandes interesses econômicos e financeiros em jogo. A propaganda, em seu papel de incentivar o acontecimento, infelizmente, utiliza recursos que ferem a moral cristã. A sexualidade humana é rebaixada e afrontosamente nivelada a manifestações de instinto animal. O turismo sexual, até mesmo utilizando menores, se constitui uma característica de nosso País, lamentavelmente!
Por outro lado, muitos que não saem do Rio, participam de retiros espirituais, ou aproveitam a oportunidade para repouso. Todos esses ficam na penumbra dos formadores de opinião pública. Como exemplo, o Retiro Rio de Água Viva há 12 anos se realiza no Maracanãzinho, de sábado até terça-feira do Carnaval. São quatro dias, iniciando no sábado pela manhã e elevado é o número de participantes. No ano passado, encerrei o retiro com uma assistência aproximada de 20.000 pessoas, em parte ponderável composta por jovens. Organizaram-se também retiros menores, com significativa presença. Quando, no estrangeiro, ouço referências desabonadoras ao Rio de Janeiro, a propósito de excessos ocorridos no Carnaval, costumo lembrar que a cidade, nesses dias, possui, também, outra face, que nobilita seus habitantes. E cito esses retiros, para que tenham uma idéia correta de nossa realidade.
Sem dúvida, o bom senso se torna mais importante nesse período do ano. Não é o folguedo que merece reprovação. Pelo contrário, ele é benéfico e necessário à criatura humana. O abuso, especialmente a distorção do sexo em sua dignidade, como ocorre também com a bebida alcoólica e drogas, merece firme reprovação. Somente o controle do instinto evita passar do uso ao abuso, este nocivo, prejudicial à vida da criatura, feita à imagem de Deus.
Diz o Catecismo da Igreja Católica (nº 1950 ss): A lei moral é obra da Sabedoria divina. (…) É uma instrução paterna, uma pedagogia divina. Ela prescreve ao homem os caminhos, as regras de comportamento que levam à felicidade prometida; proscreve os caminhos do mal que desviam de Deus e do seu amor. São Paulo (Rm 10,4) nos fala do objetivo da legislação em plano religioso: Porque a finalidade da lei é Cristo para a justificação de todo o que crê.
Estas verdades subsistem, mesmo quando tantos pregam o contrário. O caráter de cristão, recebido no Batismo, nos adverte para remar contra a corrente da opinião pública, oposta aos princípios cristãos ensinados por Jesus. O período carnavalesco, para muitos, possui uma força em sentido inverso às normas deixadas por Jesus. A reflexão fortalece o bom senso, que nos preserva dos exageros que ferem as leis do Senhor. Eis um momento oportuno para recordar que nos Estados totalitários, nazistas e comunistas, o poder público organizava o lazer, especialmente o dos jovens e dos operários. Fazia-o segundo os ditames do absolutismo ideológico. A conseqüência foi o enfraquecimento e a destruição dos valores éticos, princípios de dignidade que devem orientar a sociedade humana.
Hoje, porém, nos países livres de tais ditaduras surge um outro totalitarismo: o do prazer sem responsabilidade; a gigantesca máquina de publicidade que impõe critérios ofensivos à liberdade, à honestidade, à dignidade da família e do indivíduo bem formado.
A falta de bom senso, que urge seja corrigida, se evidencia com as freqüentes tentativas para unir, no Carnaval carioca, em uma mesma apresentação, mulheres despidas, ou seja, a paganização dos costumes, com sinais e manifestações de Fé católica. Esses fatos, repetidos, revelam desprezo pelo sagrado, ignorância ou insensibilidade, cuja conseqüência é a afronta aos sentimentos religiosos. Graças a Deus, a Justiça do Rio tem impedido a profanação do sagrado.
Essas reflexões nos convidam à valorização da alegria autêntica, construtora do bem-estar público e privado e também a participar de atos de desagravo pelas ofensas a Deus, que se multiplicam no período carnavalesco.
Cardeal Eugênio de Araújo Sales
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro