Faz algum tempo, vim de avião da região amazônica a Porto Alegre. Enquanto aguardei no aeroporto quem me buscasse, dois senhores sentaram a meu lado e conversaram despreocupadamente sobre a colonização da Amazônia. ‘E os índios?’, perguntou um deles. E o outro: ‘Índio não é problema, desde que não deixe testemunha. A polícia nos orientou assim. Pois se fica alguém vivo e houver denúncia, a polícia tem que investigar‘.
Este é o assunto da Campanha da Fraternidade deste ano: ‘Fraternidade e Povos Indígenas‘. Sob o sugestivo lema: ‘Por uma terra sem males‘. A começar pelo mal irreparável: a morte.
Diz-se que este ano o tema da Campanha é fraco, pois quase não há indígenas entre nós. O número de índios no Rio Grande do Sul pode-se calcular prudentemente em cerca de 15.000. Alguns grupos vivem nas cidades ou em acampamentos, inclusive ao longo das estradas, onde vendem seus produtos.
Quando Pedro Álvares Cabral contatou pela primeira vez nossos índios em Porto Seguro, Portugal tinha menos de um milhão de habitantes e o Brasil mais de cinco milhões. Só que os donos originários do Brasil tinham armas menos mortíferas. Hoje nossa Pátria conta com menos de um milhão de indígenas (entre 600 e 700 mil?), pertencentes a cerca de 225 povos, falando 180 línguas diferentes.
A pergunta é: somos ou não somos co-responsáveis pelo conjunto do povo brasileiro, de modo especial pelos mais sofridos e ameaçados na sua existência? Ou continuamos com a evasiva de Caim a Deus: ‘Acaso sou guarda de meu irmão?’. Por acaso Deus não continua com a advertência a Caim: ‘O sangue de teu irmão clama por mim’?
Tem sentido, sim, meditar sobre nossa responsabilidade, diante de Deus, pela sorte dos povos indígenas. Refletir sobre lições de vida que nossos índios nos dão: eles não envenenam a terra e nem os frutos da terra; eles não concentram o resultado de seu trabalho nas mãos de alguns, mas partilham com sua tribo ou sua comunidade seus bens; têm ricas tradições culturais, que não assumimos simplesmente, mas com as quais nos podemos enriquecer. E podemos defender o direito de os índios existir, e que sejam demarcadas suas terras, respeitadas suas línguas, seus costumes e suas tradições. Em resumo, um povo solidário abraça com amor a todos, sem exclusões. Desta vez, um abraço de amor aos povos indígenas!
Fonte: CNBB