Peregrinações nas igrejas locais e vigílias de oração têm sido a preparação para o encontro inter-religioso de Assis, do dia 24. A quarta «cimeira dos credos», convocada por João Paulo II para rezar «pela superação das divergências e pela promoção de uma paz autêntica».
Adensam-se no horizonte nuvens carregadas… A paz está em perigo», clamou o Papa a 8 de Dezembro passado, ajoelhado diante da imagem da Imaculada da Praça de Espanha (Roma). E para restituir esperança a um planeta «ameaçado por novos, devastadores conflitos», Karol Wojtila convida a redescobrir o «espírito de Assis» e a usar as «armas» do jejum e da penitência, da oração comum e das obras de caridade.
Para o próximo dia 24, João Paulo II pensou num gesto de grande valor simbólico: os líderes dos diversos credos, vindos de todo o mundo, chegarão ao Vaticano a 23 e, no dia seguinte, juntamente com o Papa, deslocar-se-ão de comboio a Assis. A partida da histórica peregrinação de comboio dos homens de fé dá-se no dia 24, de madrugada, da estação ferroviária do Vaticano, e a viagem será acompanhada por leituras de textos sagrados e orações. A chegada à cidade de São Francisco está prevista para o fim da manhã. A singular peregrinação tem já um precedente: a 4 de Outubro de 1962, João XXIII foi, de comboio, a Assis e a Loreto. A linha ferroviária vaticana numa extensão de 900 metros, ligada à rede italiana só é normalmente usada para o tráfego de mercadorias.
Anunciaram a sua presença nesta assembléia multireligiosa delegações de diversas confissões religiosas: hebreus, muçulmanos, budistas e hindus; representantes do confucianismo, jainismo, xintoísmo, zoroastrismo, sikismo, taoísmo e bahai; de chefes das religiões tradicionais asiáticas e das crenças étnico-tribais africanas e norte-americanas.
O Pe. Enzo Fortunato, porta-voz do Venerável Convento de Assis, informa: «A proposta do Papa foi acolhida por toda a parte com grande entusiasmo, sobretudo no mundo muçulmano. Por isso, penso que no dia 24 estarão presentes praticamente todos os representantes das religiões mundiais».
Antídoto contra a violência
O convite de João Paulo II está recebendo, dia a dia, novas adesões a nível internacional, embora o número aproximado de intervenientes só esteja claramente definido nas últimas 48 horas. Todos os organismos da Santa Sé estão trabalhando na organização desta cimeira.
João Paulo II também alude ao encontro de Assis na sua mensagem do Dia Mundial da Paz, em 1º de janeiro último: «Convidei os representantes das religiões a virem à cidade de São Francisco para mostrar que o genuíno sentimento religioso é uma fonte inexaurível de respeito mútuo e de harmonia entre os povos; nele reside até o principal antídoto contra a violência e os conflitos.» «Desejamos encontrar-nos juntos, em particular cristãos e muçulmanos», afirmava o Pontífice no Angelus de 18 de Novembro, quando anunciou a sua intenção de convidar a deslocarem-se a Assis, a 24 deste mês, os líderes das crenças do planeta, «para proclamar ao mundo que a religião não deve jamais tornar-se motivo de conflito, de ódio e de violência. Quem verdadeiramente acolhe em si a palavra de Deus, bom e misericordioso, não pode deixar de afastar do seu coração todas as formas de rancor e de inimizade. Neste momento histórico», prosseguia o Papa, «a humanidade precisa ver gestos de paz e escutar palavras de esperança».
Capital da paz
É a quarta vez que a cidade de São Francisco universalmente conhecida como cidade internacional da paz, símbolo do diálogo entre as religiões acolhe uma Jornada de Oração e Jejum. Já assim acontecera em 1986 e 1993 (com a presença do Papa) e em 1999 (sem a presença do Pontífice). Mas o evento com maior simbolismo até hoje foi a Jornada Mundial de Oração pela Paz, convocada por João Paulo II e realizada a 27 de Outubro de 1986. A unidade de toda a família humana, representada pelos chefes espirituais dos maiores credos do mundo, assumiu então uma imagem particularmente eloquente. Desde ‘esse’ 1986, a utopia de Assis é revivida em cada ano no Encontro Internacional Homens e Religiões, que a Comunidade de Santo Egídio promove, em memória da primeira e histórica cimeira, realizada há 15 anos debaixo dos holofotes do mundo.
A 9 e 10 de Janeiro de 1993, Assis voltou a ser a capital do diálogo, no Encontro Especial de Oração pela Paz na Europa e Balcãs. Mas esta segunda assembléia, promovida pelo Papa numa altura em que a Bósnia-Herzegovina era devastada pela guerra, ficou assinalada por dissenções e polêmicas de hebreus e ortodoxos. Junto do Papa, na Basílica de São Francisco, apenas ficaram os representantes do islã e os delegados católicos vindos da ex-Iugoslávia. Mas esse sinal de esperança não deixou, mesmo assim, de dar frutos.
Em 2000, o «espírito de Assis» foi vivido na Roma do Jubileu. De fato, em vésperas do Ano Santo, João Paulo II voltou a juntar os representantes de todos os credos. A cimeira realizou-se sinal de uma posterior abertura dentro dos muros do Vaticano. A assembléia inter-religiosa realizou-se de 24 a 28 de Outubro de 1999 na aula sinodal. Duzentos delegados de mais de vinte, entre religiões tradicionais e novas religiões, empenharam-se numa reflexão comum sobre os desafios do ano 2000 e o caminho que a humanidade está a percorrer.
E, no dia 27, muitos deslocaram-se a Assis em peregrinação. Era a terceira vez que a cidade de São Francisco acolhia representantes dos diversos credos; que agora aí regressam com o Papa.
Fonte: Ecclesia