4. Já na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1 de Janeiro de 1979, eu lançara este apelo: « Para alcançar a paz, educar para a paz ». Hoje isto é ainda mais urgente, porque os homens, à vista das tragédias que continuam a afligir a humanidade, sentem-se tentados a ceder ao fatalismo, como se a paz fosse um ideal inacessível.
Ao contrário, a Igreja sempre ensinou, e ensina ainda hoje, um axioma muito simples: a paz é possível. Mais, a Igreja não se cansa de repetir: a paz é um dever. Esta há-de ser construída sobre as quatro colunas indicadas pelo Beato João XXIII na Encíclica Pacem in terris, ou seja, sobre a verdade, a justiça, o amor e a liberdade. Portanto, a todos os amantes da paz impõe-se uma obrigação, que é educar as novas gerações para estes ideais, a fim de preparar uma era melhor para a humanidade inteira.
Nestes últimos anos, a chaga do terrorismo ficou mais virulenta produzindo cruéis massacres, que têm tornado cada vez mais hirto de obstáculos o caminho do diálogo e das negociações, exacerbando os ânimos e agravando os problemas, particularmente no Médio Oriente.
Todavia, para sair vencedora, a luta contra o terrorismo não pode exaurir-se meramente em operações repressivas e punitivas. É essencial que o recurso necessário à força seja acompanhado por uma análise corajosa e lúcida das motivações subjacentes aos ataques terroristas. Ao mesmo tempo, o empenhamento contra o terrorismo deve traduzir-se também no plano político e pedagógico: por um lado, removendo as causas que estão na origem de situações de injustiça, donde brotam tantas vezes os impulsos para os actos mais desesperados e sangrentos; por outro, insistindo numa educação inspirada pelo respeito da vida humana em todas as circunstâncias: com efeito, a unidade do género humano é uma realidade mais forte que as divisões contingentes que separam homens e povos.
A civilização do amor
10. No final destas considerações, porém, sinto o dever de recordar que, para a instauração da verdadeira paz no mundo, a justiça deve ser completada pela caridade. O direito é certamente a primeira estrada a seguir para se chegar à paz; e os povos devem ser educados para o respeito do mesmo. Mas, não será possível chegar ao termo do caminho, se a justiça não for integrada pelo amor. Justiça e amor aparecem às vezes como forças antagonistas, quando, na verdade, não passam de duas faces duma mesma realidade, duas dimensões da existência humana que devem completar-se reciprocamente. É a experiência histórica que o confirma, mostrando como frequentemente a justiça não consegue libertar-se do rancor, do ódio e até da crueldade. A justiça, sozinha, não basta; e pode mesmo chegar a negar-se a si própria, se não se abrir àquela força mais profunda que é o amor.
É por isso que, várias vezes, recordei aos cristãos e a todas as pessoas de boa vontade a necessidade do perdão para resolver os problemas quer dos indivíduos quer dos povos. Não há paz sem perdão! E repito-o nesta circunstância, tendo diante dos olhos sobretudo a crise que continua a embravecer na Palestina e no Médio Oriente: uma solução para os gravíssimos problemas, de que sofrem há tanto tempo as populações daquelas regiões, não será encontrada enquanto não se decidirem a superar a lógica da mera justiça para se abrirem também à do perdão.
O cristão sabe que o amor é o motivo pelo qual Deus entra em relação com o homem; e é o amor também que Ele espera do homem como resposta. Por isso, o amor é a forma mais alta e mais nobre de relação dos seres humanos inclusive entre si. Consequentemente o amor deverá animar todos os sectores da vida humana, estendendo-se também à ordem internacional. Só uma humanidade onde reine a « civilização do amor » poderá gozar duma paz autêntica e duradoura.
(Mensagem de João Paulo II para a celebração do Dia Mundial da Paz – 2004)