O amor vence tudo!!!

Um heroísmo do amor. É o que revela a história do bispo vietnamita Nguyên Van Thuân, Presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz desde 1998, nomeado a cardeal a 21 de fevereiro de 2001, que faleceu ontem (16/09), em Roma.

Em 1975, como bispo de Saigon, fora submetido à prisão domiciliar sob a acusação de ser um perigo para o Estado devido à sua liderança religiosa. Foi transferido para várias prisões, ficando isolado por 13 anos. Um longo período de solidão, humilhações, torturas psicológicas sem perspectiva de saída, superando com a força do amor e do perdão.

No ano passado o Papa João Paulo II o convidou para pregar o retiro que ele e os cardeais fazem no encerramento da Quaresma. Num livro seu lançado pela Editora Vozes em parceria com a Editora Cidade Nova, chamado “Testemunho da Esperança”,

Num texto impregnado do “Evangelho da Esperança”, o autor descreve a sua dura e luminosa experiência, em particular os 13 anos de prisão. Ele nos faz respirar os perfumes da Ásia mediante os grandes temas da espiritualidade cristã, com meditações de títulos sugestivos como “Os limites de Jesus”, “O mundo de Jesus”, “O mundo de hoje”, “Deus e não as obras de Deus”, “A arte de amar” e o “pequeno rebanho.

Segue um trecho significativo de sua narração: Certos momentos de minha vida sempre serão uma luz para mim. Quando me colocaram numa cela de isolamento, cinco guardas cuidavam de mim. Seguindo um rodízio, dois desses sempre estavam comigo. Os chefes deles lhes haviam dito: “De quinze em quinze dias vocês serão substituídos por um outro grupo, para não serem “contaminados” por esse perigoso bispo”. Depois, eles decidiram: “Nós não vamos mais substituir vocês, senão esse bispo contaminará todos os guardas”.

No começo, os guardas não me falavam. Respondiam apenas sim ou não. Era uma coisa muito triste. Eu queria ser mais amável e cortês, mas eles evitavam falar comigo. Uma noite um pensamento me veio a cabeça: “François, você é rico, você tem o amor de Cristo no coração; ame-os como Jesus amou você”. No dia seguinte, comecei a amá-los ainda mais, a amar Jesus que estava neles, sorrindo e trocando palavras gentis. Contei muitos fatos de minhas viagens ao exterior, expliquem como vivem as pessoas que vivem nos Estados Unidos e no Canadá, no Japão, nas Filipinas. Falei de economia, de liberdade, de tecnologia. Isto estimulou a curiosidade deles e despertou muitas perguntas. Pouco a pouco nos tornamos amigos. Eles quiseram aprender outras línguas comigo. Meus guardas tornaram-se meus alunos.

Numa outra ocasião, eu devia cortar madeira sob a chuva. Então perguntei ao guarda:
– Posso lhe pedir um favor?
– Pode falar, eu ajudarei o senhor.
– Eu gostaria de talhar um pedaço de madeira em forma de cruz.
– Não sabe que é expressamente proibido possuir qualquer tipo de símbolo religioso?
– Sim, eu sei, mas somos amigos e eu lhe prometo que eu vou escondê-la.
– Isso será extremamente perigoso para nós dois.
– Feche os olhos eu farei tudo bem rápido e serei muito prudente.
Ele me deixou sozinho. Eu fiz a cruz e a escondi dentro de um pedaço de sabonete até a minha libertação. Com uma moldura metálica esse pedaço de madeira se tornou minha cruz peitoral.

Em outra prisão, pedi um pedaço de fio elétrico para o meu guarda, de quem eu havia ficado amigo. Assustado ele me disse:
– Aprendi na Universidade de Segurança que, se alguém quer um fio elétrico, é porque quer se suicidar.
– Os padres católicos não se suicidam.
– Mas o que vai fazer com o fio?
Quero fabricar uma correntinha para pendurar a minha cruz.
-Como pode fazer uma correntinha com fio elétrico? É impossível!
-Se me trouxer dois pequenos alicates eu lhe mostrarei.
-É muito perigoso!
-Mas nós somos amigos!

Três dias depois, ele me disse: “È muito difícil lhe negar alguma coisa. Amanhã à noite, quando eu estiver de guarda, vou trazer um pedaço de fio. Mas tudo deverá ter acabado em quatro horas”. Na noite seguinte, das 19 às 23 horas, às escondidas, cortamos o fio elétrico em pedaços do tamanho de um fósforo. Com os dois alicates fizemos a correntinha, que ficou pronta antes da troca de guardas.

Eu levo sempre comigo a cruz e a correntinha. Não como recordação da prisão, mas porque elas manifestam uma das minhas convicções mais profunda e servem de lembrete constante: só o amor cristão, e não as armas, as ameaças ou a mídia, podem mudar os corações.

É o amor que prepara o caminho para o anúncio do Evangelho: Omnia vincit amor, o amor vence tudo! Quando o amor é verdadeiro, suscita o amor como reposta. Então você ama e também é amado. E assim realiza-se o mandamento novo de Jesus: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15-12). O amor recíproco é a plena realização do amar.

+ Cardeal Nguyên Van Thuân
Fonte: Revista Cidade Nova / Maio de 2001