O café e a vida

Recentemente passamos pela dolorosa experiência da perda de dois irmãos em Cristo, um deles o fundador de uma Comunidade renovada de aliança e um dos seus jovens membros. Entregaram suas almas ao Senhor, a caminho de uma missão. Há mais de dez anos peregrinavam por nosso estado (Paraná) a serviço da Igreja, salvando almas. A notícia do brutal acidente provocado por terceiros em plena rodovia foi um baque sobre todos nós. Afinal convivemos por quase duas décadas na caminhada de Igreja, na RCC.

Choramos, muitos irmãos e irmãs derramaram lágrimas de dor, como Jesus chorou por seu amigo Lázaro. Nossa dor era também solidária com as esposas e filhos, agora viúvas e órfãos de seus pais.

Sabíamos e sabemos que ambos não estavam mais entre nós e que não morreram, mas sim haviam nascido para a vida eterna. Sabíamos que estavam preparados com os Sacramentos, abençoados por nosso Arcebispo, mas ainda assim a comoção nos envolvia em seu dolorido abraço.

E nestes dias em que o luto e a alegria, a tristeza e a esperança se misturam, me recordava de um encontro inesperado com a minha saudosa ama-seca, minha babá, já idosa, que em sua infância também cuidou de minha mãe. Reencontrei “Tita” depois de quarenta anos separados pela vida, e foi um momento marcante.
Mulher inteligente, pobre, mas serviçal fiel, humilde, incansável, Tita falava sem gírias e numa linguagem de gente culta, cheia de sabedoria da vida. Certa manhã, em pleno Pantanal, sentamo-nos sob o brilho da manhã radiante, e a velha babá olhou nos meus olhos e falou:

– Posso contar para você uma estória que eu escutava de sua avó?

– Não só pode, como deve…

– Você sabia que a nossa vida é como o café?

– O café, Tita? Como isso? – e ela com sua fala mansa e firme prosseguiu.

– Sim, aquela fruta (acho que é rubiácea o nome da danadinha), com suas duas sementes envolvidas por uma polpa fina e adocicada e que o povo da cidade só conhece na xícara, pronto e quentinho, igual esse aí em sua mão.

– Mas como pode ser isso? – repliquei.

– Quando a fruta está no pé, bonita e colorida o café é colhido e colocado no terreiro, dias e dias para secar ao sol. Com isto a polpa de cada grão começa a se separar da semente e fica como uma casca. Aquele grãozinho antes bonito, vermelho e verde, agora começa ficar opaco, pálido. Lentamente a “casca” vai secando enquanto o agricultor vai movimentando os grãos para separar totalmente a casca das sementes.

– Mas ainda há outras etapas – prosseguia ela a sua narrativa – Chega o momento do cafeicultor separar os preciosos grãos, já limpos, parte para seu consumo e parte para ser vendido. Mas o processo ainda não terminou. No armazém, a produção vai ser selecionada, classificada e os de maior qualidade seguem para o exterior, enquanto os demais ficam por aqui mesmo. O café sente-se então realizado e livre dos sacrifícios que enfrentou desde que foi colhido no pé. Mal sabe ele que a coisa nem começou…
Quando chega à indústria o pobre grão nem sabe o que lhe espera. Aqueles grãos branquinhos, insossos, agora irão enfrentar a torrefação sob altas temperaturas e se transformam em grãos quase negros.

Afinal, o senhor “café” agora está feliz (torrado, quase queimado, mas feliz). Mas essa felicidade é passageira e ainda enfrentará outras provas. O ciclo ainda não se completou e ele terá de passar pela moagem. Vai ser preciso se tornar um pó fino para poder cumprir a sua finalidade.

Enfim aquele grão lá do cafeeiro, bonito e lustroso, rubro verde, agora é um pó negro e aromático, e vai ser colocado numa embalagem bonita. Ele então diz para si mesmo: “Tudo em paz!”. Pura ilusão… Ele não sabe que ainda precisa ser coberto sob água fervente e aí sim, vai se tornar bebida saborosa, aromática e estimulante.

– É verdade – respondi – Igualzinho a este seu cafezinho minha querida babá.

– Então, você que é um homem de fé, pode tirar alguma lição desta história de sua avó?

Hoje, relembro deste diálogo, deste encontro, e faço uma analogia da história do café com a nossa vida, a caminhada na fé, o processo de nossa conversão, a conscientização, o confronto de nossa decisão e o choque com as coisas mundanas que antes tanto nos atraiam.
A secagem no terreiro me fala da vida nova em Cristo e a gradual perda das nossas grossas “cascas” do pecado sob a luz e o calor de sua Verdade; a seleção no armazém é o momento do chamado aos “colhidos” e aos “escolhidos”, os que seguem a missão leiga e os que assumem a vida consagrada (não porque estes sejam melhores que aqueles, mas pela misteriosa e sábia seleção divina). O processo de torrefação e moagem nos consola, pois, demonstra que o Senhor sabe qual o limite suportável ao sermos triturados, e a temperatura correta para que possamos ser torrados, mas não carbonizados.

A vida e a morte destes nossos irmãos queridos estão sob esta analogia e seus últimos momentos são imagem do pó de café sendo coado sob a água escaldante, exalando um suave aroma de vida e vida em abundância. Ela também nos fala da grandeza da missão daqueles que seguem a Jesus Cristo, dos que se empenham na expansão do seu Reino e lutam em favor do próximo, da fé e da vida, apesar de todos os riscos, agruras, obstáculos e sofrimentos.

“Mas graças sejam dadas a Deus que nos concede sempre triunfar em Cristo, e que por nosso meio, difunde o perfume do seu conhecimento em todo lugar. Somos para Deus o perfume de Cristo entre os se salvam e entre os que se perdem. Para estes na verdade odor da morte e que dá a morte; para os primeiros, porém, odor da vida e que dá a vida” (2 Cor 2, 14-16).

E por fim, a lição de minha avó transmitida por aquela humilde mulher nos faz aceitar e entender as palavras de Jesus:
“Se o grão de trigo, caído na terra não morrer, fica só; se morrer produz muito fruto” (Jo 12,24).

Em breve, no céu, nos reencontraremos queridos irmãos!

In Memoriam de José Augusto Sobral e Honório Pedra, Campo Grande, MS.