“Somos uma igreja de mártires, isso desde o primeiro século da era cristã. Estes eventos não nos causa medo, mas, nos faz mais forte, resistentes em nossa fé.” (Dom Anba Abraham)
Inicio este texto com um pequeno trecho, citado acima, da entrevista que fiz com o Arcebispo copta em Jerusalém, Anba Abraham.
Quando ocorreu o assassinado dos 21 coptas na Líbia, fomos convidados a participar de um momento de oração na catedral copta, vi uma Igreja sofrida, o clima era de luto. Esta foi minha impressão inicial, contudo, na entrevista com o arcebispo, toquei na força e na seriedade de uma vocação e da entrega a Deus.
Não podemos olhar para o que tem acontecido no mundo com um olhar de que somos perseguidos ou coitadinhos, de modo algum, somos uma Igreja que aprendeu que a vida não é para ser guardada, mas doada.
Estando no Oriente Médio, tenho tocado numa realidade muito diferente da encontrada no Ocidente. Aqui as pessoas já nascem com uma identidade cristã, parece lindo, poético, mas não o é. Nasci cristão, está na minha identidade, isso é registrado por lei.
Sabemos que o homem é frágil e aqui não é diferente, a fragilidade da vivência da fé também os atinge, assim como nos atinge. Não vivem uma fé de sentimento nem de busca da prosperidade, e me desculpem por dizer isto: não é uma busca do Deus que cura. Mas, de um Deus que é Deus e por isso O seguem. E O seguem por acreditarem na existência de somente um DEUS, por isso não existe a necessidade de buscas incessantes, pois já O encontraram e isso basta.
Fui a Faixa de Gaza duas vezes, mas o pouco que vi, digo: Os cristãos vivem numa minoria em meio a uma comunidade muçulmana e numa região conhecida por seus conflitos externos, mas também internos. A população local vive quase sem energia elétrica, são apenas duas horas por dia de fornecimento de eletricidade. Tanto para a higiene do corpo como para a da casa eles utilizam a água do mar. É uma vida austera. Embora não seja uma austeridade escolhida por essas pessoas, elas a vivem; vivem lutando, a cada dia, quando a luz natural chega, se levantam e continuam a caminhar.
Conheci muitos jovens, a grande maioria deles com faculdade, sem trabalho, vi uma comunidade normal, que canta e reza, assim como as nossas, animada pelo pároco argentino, padre Jorge Hernández, e também por um sacerdote brasileiro, padre Mário da Silva, membros do Instituto do Verbo Encarnado. Olhando friamente para a situação, eles não teriam motivo de se comprometerem com aquela comunidade, no entanto, eles, juntamente com tantas religiosas estrangeiras, se comprometeram com esse povo.
E não só os estrangeiros têm se comprometido com essas pessoas. Por acaso já ouviram falar da Congregação das Irmãs do Rosário? A fundadora dessa obra de Deus, Marie Alphonsine, será canonizada em maio deste ano, uma mulher que viveu sua fé no escondimento. Vocês sabiam que só foi descoberto que ela era a fundadora dessa congregação após sua morte? Viveu a obediência plena na Igreja e deu lugar às mulheres numa sociedade que ainda hoje as discrimina. Marie Alphonsine fundou escolas, ensinou profissão a elas, renunciou a uma vida cômoda por amor.
Um amor que chegou lá em Gaza, pois estas religiosas também têm dado a vida nessa região conflituosa. Entrevistei, para gravar um documentário, Irmã Nabila, uma egípcia, cujos olhos verdes me fizeram chorar enquanto me contava fatos do conflito recente. Ela me dizia que crianças devem ser apenas crianças e não viver em meio a bombas.
Nesta semana fui até a cidade de Nablus. Talvez você a conheça pelo nome de Siquem, a cidade bíblica, ou a conheça pela passagem do Evangelho que narra o encontro de Jesus com a mulher samaritana. Linda passagem bíblica, não é mesmo? “Quem beber desta água tornará a ter sede; aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede” (João 4, 13-14).
A Igreja local faz de tudo para que os cristãos permaneçam ali, não é uma tarefa fácil, mas é tarefa, afinal, a Igreja recebeu de Deus um dom e é coerente permanecer ali, naquela “região” tão conflituosa. Vida cômoda!? Quem quiser viver assim, infelizmente, será melhor não pensar em vir para o Oriente Médio. Esta terra nos desinstala, mas também nos forma por ser rica e histórica. Como disse nosso sábio arcebispo copta, aqui temos uma Igreja que vive a experiência do martírio desde o primeiro século, mas estes nossos irmãos pararam? Você que está lendo este texto já tem a resposta. Olha aí. O Cristianismo chegou até você.
É importante dizer que as perseguições e o assassinado de pessoas é um crime contra a humanidade, isso não pode nos orgulhar, porque nenhum mártir buscou o martírio. Olhem aqueles jovens coptas, um deles dizia em árabe: “Tem piedade, Senhor!” E o que nos ensinaram?
Tem piedade de nós, Senhor, somos lentos a entender e a viver nossa fé. Estamos aqui, continuamos nossa estrada, que Sua graça nos alcance.
Cristiane Henrique
Missionária da Comunidade Canção Nova na Terra Santa