Tradição cristã

Por que guardar o domingo?

Um comum problema da sociedade moderna é receber tradições e costumes sem entender o seu verdadeiro significado, isso expõe a deficiência não só de quem recebe a tradição, que no caso não busca entendê-la integralmente, mas quem a transmite também não realiza de maneira eficaz o seu papel. Entretanto, o dever de todo bom católico é quebrar esse estigma. É compreensível que, quando crianças, católicos realizem ritos de maneira mecânica, mas o desenvolvimento da razão deveria progredir de maneira equivalente ao intelecto. Sendo assim, é aconselhável que aquele que busque ser honesto consigo, se incline a entender os fundamentos que compõem a fé católica. 

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A tradição de guardar o domingo

Uma tradição que nasceu junto com o próprio cristianismo, atestada pelos apóstolos e seus sucessores, é a liturgia dominical. Uma dúvida frequente é: por que guardar o domingo e não o sábado, como era feito antes de Cristo? Existe um embasamento histórico e teológico sobre o assunto, mas o presente texto busca sintetizar, de forma acessível, definições extraídas do próprio Magistério da Igreja.

Uma orientação que parte da própria Igreja Católica

O Catecismo da Igreja Católica (CIC), especialmente nos parágrafos 2168 a 2195, fala sobre a importância do domingo: 

“A celebração dominical do Dia e da Eucaristia do Senhor está no coração da vida da Igreja. «O domingo, em que se celebra o mistério pascal, por tradição apostólica, deve guardar-se em toda a Igreja como o primordial dia festivo de preceito».

«Do mesmo modo, devem guardar-se os dias do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, Epifania, Ascensão e Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, Santa Maria Mãe de Deus, sua Imaculada Conceição e Assunção, São José e os Apóstolos São Pedro e São Paulo, e finalmente o de todos os Santos» (96).

Essa prática da reunião da assembleia cristã data dos princípios da idade apostólica (97). A Epístola aos Hebreus lembra: «Sem abandonarmos a nossa assembleia, como é costume de alguns, mas exortando-nos mutuamente» (Heb 10, 25).”

São João Paulo II também reforça essa importância na carta apostólica “Dies Domini” (1998), onde aprofunda o sentido do domingo:

“O dia do Senhor — como foi definido o domingo, desde os tempos apostólicos —,(1) mereceu sempre, na história da Igreja, uma consideração privilegiada devido à sua estreita conexão com o próprio núcleo do mistério cristão. O domingo, de fato, recorda, no ritmo semanal do tempo, o dia da ressurreição de Cristo. É a Páscoa da semana, na qual se celebra a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, o cumprimento n’Ele da primeira criação e o início da « nova criação » (cf. 2 Cor 5,17). É o dia da evocação adorante e grata do primeiro dia do mundo e, ao mesmo tempo, da prefiguração, vivida na esperança, do « último dia », quando Cristo vier na glória (cf. Act 1,11; 1 Tes 4,13-17) e renovar todas as coisas (cf. Ap 21,5).”

Atestação magisterial da liturgia dominical 

O domingo é o Dia do Senhor, memorial da Ressurreição de Jesus Cristo, ocorrida no primeiro dia da semana. Guardar o domingo é uma forma concreta de afirmar: “Deus é o centro da minha vida”.

É a Igreja que assim ensina, por meio da Tradição, do Magistério e das Sagradas Escrituras. Desde os primeiros séculos do cristianismo, os fiéis se reúnem no “primeiro dia da semana” — o dia em que Cristo ressuscitou dos mortos — para celebrar a Eucaristia, escutar a Palavra de Deus e viver a comunhão fraterna:

“No primeiro dia da semana, estando nós reunidos para partir o pão, Paulo, que havia de viajar no dia seguinte, conversava com os discípulos e prolongou a palestra até a meia-noite.” (At 20, 7)

Os Pais da Igreja já testemunhavam essa prática como algo essencial à identidade cristã:

“Assim os que andavam na velha ordem das coisas chegaram à novidade da esperança, não mais observando o sábado, mas vivendo segundo o dia do Senhor, no qual nossa vida se levantou por Ele e por Sua morte, embora alguns o neguem.” (Carta de Santo Inácio aos Magnésios, capítulo 9)

“No dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se leem, enquanto o tempo o permite, as Memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas. […] Celebramos essa reunião geral no dia do sol, porque foi o primeiro dia em que Deus, transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Com efeito, sabe-se que O crucificaram um dia antes do dia de Saturno; e no dia seguinte ao de Saturno, que é o dia do Sol, ele apareceu a seus apóstolos e discípulos, e nos ensinou essas mesmas doutrinas que estamos expondo para vosso exame.” (Primeira Apologia de São Justino Mártir, capítulo 67)

É muito mais do que um simples dia de descanso, é o dia do Senhor

A Ressurreição de Jesus inaugurou um novo tempo: o domingo, primeiro dia da semana, tornou-se símbolo de um novo começo. Guardar o Domingo nos ajuda a compreender aspectos da fé. Em primeiro lugar, reconhecemos a centralidade da Páscoa de Cristo na história da salvação — verdade que deve ocupar o centro de toda reflexão. Em segundo lugar, expressamos a importância que damos a Deus em nossa vida: por isso, o primeiro grande movimento da nossa semana é participar da Santa Missa, centro da vida católica. Assim deve ser, de todo modo.

Outro ponto importante é recordar que as pessoas são mais do que as dificuldades que enfrentam. A sociedade moderna, marcada por um ritmo acelerado, frequentemente reduz o valor da pessoa à sua utilidade. Ao descansar no domingo, participar da Missa, viver momentos de convivência familiar ou até mesmo silenciar-se na oração, afirmamos que nossa verdadeira identidade está em Deus.

Mais do que um costume herdado, guardar o domingo é um ato consciente de fé. É um testemunho pessoal e comunitário de que Cristo ressuscitou, está vivo e caminha conosco.

Matheus Eleutério – estudante de jornalismo