O núcleo central da missão redentora de Jesus, diz o apóstolo João, foi dar vida, e vida em abundância (Jo 10,10). Essa abundância não consiste no número de dias que passamos neste mundo, nem mesmo das regalias que possamos ter. Podemos achar que vida em abundância é uma vida de prosperidade, vida de sucesso, mas vemos, por intermédio do apóstolo, que a vida em abundância de Jesus é completamente diferente desse pensamento.
Diz São João Paulo II, quando Jesus fala da vida em abundância: “Ele fala daquela vida nova e eterna que consiste na comunhão com o Pai, à qual todo o homem é gratuitamente chamado no Filho, por obra do Espírito Santificador. Mas é precisamente em tal vida que todos os aspectos e momentos da vida do homem adquirem pleno significado” (Evangelium Vitae n 1).
O homem não pode se iludir com a vida terrena, achando que nela está toda alegria, toda realização. Não! A plena realização da vida não está aqui, mas na vida futura prometida pelo Senhor. Esta vida futura é, muitas vezes, esquecida, e é para esta realidade futura, o céu, que quero chamar sua atenção.
“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância”
Recorremos ao grego para ficar mais fácil a compreensão do que nos apresenta o Evangelista João quando fala que Jesus veio nos trazer vida, e vida em abundância. Existem três palavras do Novo Testamento, com significados diferentes, que foram traduzidas para o português por uma única palavra, chamada “vida”. No grego, ela possui três significados. Sem a distinção necessária dos termos, corremos o risco de não compreendermos a mensagem do Evangelho.
A primeira palavra grega traduzida por vida em português é “bios”. Nesse caso, refere-se à vida no mundo físico. A partir daí, entende-se as outras palavras derivadas desse conceito, como biologia. “Bios” é tudo aquilo que envolve o mundo físico, isto é, a duração de nossa vida física e também nossa conduta moral.
Segunda palavra grega traduzida por vida é “psuche”. Essa palavra também é conhecida como “alma”. Vemos, em alguns livros de psicologia, traduzida também como “vida da alma”. Especialmente na psicologia, a psuche se refere aos nossos pensamentos, nossos sentimentos, tudo aquilo que está no campo de nossas tomadas de decisões.
A terceira e mais importante palavra grega traduzida por vida é “Zoé”. Essa palavra grega é usada quando se refere à vida própria de Deus, sua vida incorruptível, sem princípio nem fim. Portanto, todas as vezes que a Sagrada Escritura fala da vida que Jesus veio trazer, usa a palavra Zoé, e não Bios ou Psuche. Isso implica dizer que a vida que Jesus veio trazer foi a Zoé, a vida própria de Deus. Por isso mesmo: “O homem é chamado a uma plenitude de vida que se estende para muito além das dimensões da sua existência terrena, porque consiste na participação da própria vida de Deus. A sublimidade desta vocação sobrenatural revela a grandeza e o valor precioso da vida humana, inclusive já na sua fase temporal”. (Evangelium Vitae n 2).
Evangelho em sua originalidade
Como diz Jesus: “De que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e vir a perder a sua vida?”. Como temos visto, não se trata de perder a vida biologicamente, é mais que isso, trata-se de perder a vida junto de Deus. De que adianta ao homem ter todos os prazeres da carne, mas vir a perder o Céu? O homem, quando se prende às coisas terrenas, esquece as coisas do Céu. Pobre homem que age dessa maneira! As coisas terrenas são momentâneas, passam logo, enquanto as coisas do Céu são duradouras e eternas. Jesus nos convida exatamente para essa vida sem fim, para a vida eterna.
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Todos nós cristãos sabemos que Cristo veio trazer vida em abundância para nós. Mas que vida? Feita a distinção das três palavras gregas, compreendemos qual vida Ele veio trazer. A vida em abundância não consiste em ter muito dinheiro, fama, prestígio, reconhecimento na sociedade, prazeres… Não trata da vida física (Bios) meramente. Alguém ainda pode pensar que a vida em abundância consiste em ter uma vida feliz e satisfeita no plano terreno (Psuche). Sabemos agora que “a vida que Deus dá ao homem é muito mais do que uma existência no tempo. É tensão para uma plenitude de vida; é germe de uma existência que ultrapassa os próprios limites do tempo”. (Evangelium Vitae n 34). Portanto, a vida que Deus nos dá é a “Zoé”, vida eterna.
Não nos deixemos seduzir por qualquer coisa, tenhamos em vista o Céu, a vida eterna. A abundância de nossa vida consiste em buscar as coisas do Céu. O homem só encontra vida verdadeiramente se sua vida estiver escondida com Cristo em Deus. (Cl 3,3). Somente n’Ele o homem encontra tudo o que busca. Toda vida fora de Deus não passa de mera ilusão.