Os muçulmanos guardam a sexta-feira, os judeus o sábado, e os cristãos o domingo. Em ambientes que vivem a convivência pacífica dessas tradições religiosas, como a capital do Líbado ou da Síria, Beirut e Damasco, essa diferença de ritmo semanal educa para a tolerância, o respeito pelo outro e a consciência da diversidade das expressões da fé, que recomendam a abertura e a busca de convergências mais profundas do que a mera coincidência de datas. Portanto, em princípio, não será em torno do dia certo da semana que se joga o valor da mensagem que as religiões têm a nos transmitir. Sobretudo se partimos do princípio de que o “dia santo” é para iluminar de santidade todos os outros dias também.
Acontece que a celebração do “Dia Sagrado” joga, sim, uma função determinante para sustentar a identidade do crente e possibilitar-lhe o crescimento na assimilação e na vivência de sua prática religiosa. Sem o suporte semanal, que ajuda a retomar as motivações da fé, o crente corre o sério risco de ficar alheio à dinâmica de sua religião, e acaba perdendo sua identificação com ela.
Recuperar o sentido do domingo
Existe, de fato, o desafio de recuperar o sentido do domingo e encontrar a maneira adequada de celebrá-lo, hoje, para que cumpra sua finalidade de ser o principal suporte externo para conservar a identidade dos cristãos e possibilitar-lhes, assim, a vivência autêntica de sua fé.
Para perceber melhor o alcance que o domingo se destina a ter, vale a comparação com os judeus e os muçulmanos.
Depois que perderam sua terra, seu templo, seu culto, foi a estrita observância do sábado que sustentou a identidade dos judeus ao longo dos séculos. Para o muçulmanos, segundo testemunham os estudiosos que olham com simpatia essa grande religião, a prática externa que mais aglutina os fiéis e lhes dá uma identidade coletiva que os entusiasma é a observância do “ramadão”, o mês de jejum e oração. O desafio de jejuar, todos os dias, com finalidade religiosa, cria laços de união e fraternidade, que solidificam, de modo impressionante, a opção religiosa das pessoas, que, uma vez muçulmanas, dificilmente deixam de o ser por toda a vida.
É o que está faltando para os cristãos. Um momento semanal intenso, que deixa marcas positivas para toda a semana, que motiva para o reencontro subsequente e que, por sua vez, vai criando a necessidade da participação periódica, que sustenta a adesão à comunidade e possibilita o lento assimilar dos conteúdos que as celebrações simbolicamente vão apontando. Essa a finalidade do domingo.
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O surgimento do domingo
O domingo nasceu do impacto inesperado, produzido pela notícia da ressurreição de Cristo. Se pensarmos no peso da tradição judaica, admira ver como os cristãos conseguiram emplacar o domingo. Os biblistas afirmam que temos poucos indícios materiais que possam comprovar a ressurreição, além do túmulo vazio. Na verdade, contamos com um fato sociológico de grande peso, que é o surgimento do domingo, pois, como explicar a passagem do sábado para o domingo, a não ser em consequência de um fato singular, que provocou um impacto mais duradouro e decisivo do que qualquer tsunami! Aconteceu algo de extraordinário naquele “primeiro dia da semana”!
Diz o Evangelho que, no primeiro domingo, Tomé não estava. Não estranha que tenha sido o último a acreditar. Quem não participa do domingo vira Tomé. Segue o caminho da descrença. Sorte do apóstolo que os outros foram buscá-lo: “Tomé, vimos o Senhor!”. E, no outro domingo, lá estava ele. Se todos os tomés viessem, não caberiam, certamente, em nossas igrejas.
Dom Demétrio Valentini