Quem está pagando a conta para você?
Você já escutou essa expressão “põe na conta!”? Não é de hoje que tenho percebido o quanto nós atribuímos a Deus ou ao demônio coisas que talvez sejam mais fruto do ser humano do que do Senhor e do maligno.
Foto: Daniel Mafra/cancaonova.com
Recentemente, estive partilhando com uma pessoa sobre um determinado assunto. Em um momento da nossa conversa, ela olhou para mim e disse: “Deus já havia me revelado isso!”. No entanto, a situação era tão óbvia, como dois mais dois são quatro, que, quando ela disse que Deus a havia revelado algo, eu quase lhe perguntei: “Como assim? Você era cego até então? Você estava na situação, como não percebeu? Estava de olhos fechados?”.
É claro que Deus fala conosco, mas o fato é que tudo não passava de uma percepção humana daquela pessoa (que não estava errada). Contudo, ela teve a necessidade de dizer: “Deus já havia me revelado”. Você pode pensar: “Nossa! Talvez Deus tenha falado algo para essa pessoa e você a esteja julgando!”. Ok! Pense comigo: ela viu a cena, contemplou o que aconteceu; foi uma percepção, fruto de sua visão. Era só dizer assim: “Eu percebi, porque vi”. Pronto? Não! Porque a pessoa é “muito de Deus”, um “X-Men” dos dons carismáticos, então Deus lhe revelou algo.
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Em outra ocasião, partilhando com uma pessoa sobre algumas situações, ela insistia que estava sob a influência do demônio. Por causa disso, atribuía a culpa de alguns acontecimentos de sua vida a ele. Era como se ela não fosse mais livre; pelo contrário, era completamente dominada pelo demônio, a ponto de dizer sobre si: “Eu sou inocente! Não tenho culpa de nada!”. O que ela não conseguia enxergar é que estava mentindo para si mesma, refugiando-se nessa mentira. Ela não estava sob influência do maligno; estava, na verdade, enganando-se.
Nesse exemplo, não preciso o convencer de que essa pessoa também apresentava um certo desiquilíbrio. Concorda? Esses dois fatos me fizeram pensar o quanto nós colocamos “na conta” de Deus ou do demônio coisas que são frutos da nossa própria humanidade. Usamos, constantemente, o nome de Deus para dizer várias coisas com frases prontas: “Deus quis assim!”, “Deus o levou mais cedo” , “Se Deus quiser…”, “Deus me mandou dizer para você”, “Deus quer que você faça isso”… Até poderíamos colocar outras frases, algumas até bonitas, que trazem consigo um certo caráter piedoso. Mas até que ponto podemos aprovar ou desaprovar algo em nome de Deus? Até onde podemos usar o nome d’Ele?
Hoje, pessoas matam em nome de Deus. E matar em nome d‘Ele é um crime, certo? (Responda que sim, por favor!). Mas será que só quem mata em nome de Deus comete crime? Eu não preciso matar para que se torne um crime, basta sair por aí usando o nome do Senhor, quando, na verdade, é tudo fruto de uma humanidade desordenada.
Você pode estar pensando: onde fica o dom da palavra de ciência? E as profecias? O ser carismático? O que, então, você me diz das pessoas possessas pelo demônio? E os casos de cura e libertação? A tentação que sofremos? Eu digo que é preciso separar bem as coisas, dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César. Não existe erro em assumir o que é espiritual; assim como não existe erro em assumir o que é humano. O que não dá é para ficarmos nos enganando e enganando os outros.
Quando não assumimos nossas responsabilidade e ficamos justificando-as em nome de Deus ou de quem quer que seja, acabamos não transcendendo. Corremos o risco de viver para sempre uma espiritualidade de Peter Pan, que nunca cresce e vive na Terra do Nunca. A espiritualidade torna-se algo desencarnado que constantemente vê tudo como “assombração”, que nega toda uma realidade que esta a sua volta.
A Igreja nos diz, por meio do número 22 da Gaudium Et Spes : “Já que n’Ele a natureza humana foi assumida, e não destruída, por isso mesmo também em nós foi ela elevada a sublime dignidade. Porque, pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano”.
Perfeito! Podemos aprender com Ele, que pensou com uma inteligência humana, e isso é fantástico! Você tem usado sua inteligência? Tem assumido sua vontade humana e a submetido a Deus? Você tem amado na mesma proporção que tem rezado, e assim como Jesus amado com um coração humano? Podemos aprender com o próprio Cristo a sermos verdadeiros cristãos encarnados, sem negar o nosso ser espiritual. Dessa forma, as pessoas nos dariam mais crédito quando, da nossa boca, saísse uma palavra de ciência ou algo humano que também pode ser bom. Viveríamos uma vida de maior coerência evangélica.
Agora, eu lhe retomo a pergunta: “Quem está pagando a conta para você?”.
Autor: Jonathan Ferreira – Missionário da Comunidade Canção Nova