REFLEXÃO

Bento XVI nos ensina como a oração é escola da esperança

O essencial lugar de aprendizagem da esperança é a oração

Quando já ninguém me escuta,  tenha esperança que Deus ainda me ouve. Quando já não posso falar com ninguém, nem invocar mais ninguém, a Deus sempre posso falar. Se não há mais ninguém que me possa ajudar “por tratar-se de uma necessidade ou de uma expectativa que supera a capacidade humana de esperar,” Ele pode ajudar-me. Se me encontro confinado numa extrema solidão, o orante jamais está totalmente só.

Foto ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

Dos seus 13 anos de prisão, nove dos quais em isolamento, o inesquecível Cardeal Nguyen Van Thuan deixou-nos um livrinho precioso: Orações de esperança. Durante 13 anos de prisão, numa situação de desespero aparentemente total, a escuta de Deus, o poder falar-Lhe, tornou-se para ele uma força crescente de esperança, que, depois da sua libertação, lhe permitiu ser para os homens em todo o mundo uma testemunha da esperança, daquela grande esperança que não declina, mesmo nas noites da solidão.

Relação íntima entre oração e esperança

De forma muito bela, Agostinho ilustrou a relação íntima entre oração e esperança, numa homilia sobre a Primeira Carta de João. Ele define a oração como um exercício do desejo. O homem foi criado para uma realidade grande ou seja, para o próprio Deus, para ser preenchido por Ele. Mas o seu coração é demasiado estreito para a grande realidade que lhe está destinada. Tem de ser dilatado.

«Assim procede Deus: diferindo a sua promessa, faz aumentar o desejo; e com o desejo, dilata a alma, tornando-a mais apta a receber os seus dons». Aqui Agostinho pensa em São Paulo que, de si mesmo, afirma viver inclinado para as coisas que hão-de vir (Fil 3,13). Depois usa uma imagem muito bela para descrever esse processo de dilatação e preparação do coração humano. «Supõe que Deus queira encher-te de mel (símbolo da ternura de Deus e da sua bondade). Se tu, porém, estás cheio de vinagre, onde vais pôr o mel?» O vaso, ou seja, o coração, deve primeiro ser dilatado e depois limpo: livre do vinagre e do seu sabor. Isto requer trabalho, faz sofrer, mas só assim se realiza o ajustamento àquilo para que somos destinados.

Apesar de Agostinho falar diretamente só da receptividade para Deus, resulta claro, no entanto, que o homem, neste esforço com que se livra do vinagre e do seu sabor amargo, não se torna livre só para Deus, mas se abre também para os outros. De fato, só tornando-nos filhos de Deus é que podemos estar com o nosso Pai comum.

O modo correto de rezar

Orar não significa sair da história e retirar-se para o canto privado da própria felicidade. O modo correto de rezar é um processo de purificação interior, que nos torna aptos para Deus e, precisamente dessa forma, aptos também para os homens.

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Na oração, o homem deve aprender o que verdadeiramente pode pedir a Deus, o que é digno de Deus. Deve aprender que não pode rezar contra o outro. Deve aprender que não pode pedir as coisas superficiais e cômodas que de momento deseja –a pequena esperança equivocada que o leva para longe de Deus. Deve purificar os seus desejos e as suas esperanças. Deve livrar-se das mentiras secretas com que se engana a si próprio: Deus perscruta-as, e o contato com Ele obriga o homem a reconhecê-las também. «Quem poderá discernir todos os erros? Purificai-me das faltas escondidas», reza o Salmista (19/18,13).

O não reconhecimento da culpa, a ilusão de inocência não me justifica nem me salva, porque o entorpecimento da consciência, a incapacidade de reconhecer em mim o mal enquanto tal é culpa minha. Se Deus não existe, talvez me deva refugiar em tais mentiras, porque não há ninguém que me possa perdoar, ninguém que seja a medida verdadeira. Pelo contrário, o encontro com Deus desperta a minha consciência, para que deixe de fornecer-me uma autojustificação, cesse de ser um reflexo de mim mesmo e dos contemporâneos que me condicionam, mas se torne capacidade de escuta do mesmo Bem.

Oração como forma purificadora

Para que a oração desenvolva esta força purificadora, deve, por um lado, ser muito pessoal, um confronto do meu eu com Deus, com o Deus vivo; mas, por outro, deve ser incessantemente guiada e iluminada pelas grandes orações da Igreja e dos santos, pela oração litúrgica, na qual o Senhor nos ensina continuamente a rezar de modo justo.

O Cardeal Nyugen Van Thuan, contou no seu livro de Exercícios Espirituais, como na sua vida tinha havido longos períodos de incapacidade para rezar, e como ele se tinha agarrado às palavras de oração da Igreja: ao Pai-Nosso, à Ave-Maria e às orações da liturgia.

Na oração, deve haver sempre esse entrelaçamento de oração pública e oração pessoal. Assim, podemos falar a Deus, e Deus falar a nós. Desse modo, realizam-se em nós as purificações, mediante as quais nos tornamos capazes de Deus e idôneos ao serviço dos homens. Assim, tornamo-nos capazes da grande esperança e ministros da esperança para os outros: a esperança em sentido cristão é sempre esperança também para os outros. E é esperança ativa, que nos faz lutar para que as coisas não caminhem para o «fim perverso». É esperança ativa precisamente também no sentido de mantermos o mundo aberto a Deus. Somente assim ela permanece também uma esperança verdadeiramente humana.

Papa emérito Bento XVI