Jesus se prepara para a pregação com a oração e o jejum
Depois do sagrado mistério do batismo e magnífico testemunho do céu, Jesus é levado pelo Espírito Santo ao deserto, para que ali fosse tentado pelo inimigo.
Que conseqüência têm estes mistérios? Como combinam as durezas e solidão do deserto com os pregões do céu? As tentações do inimigo com os favores do Espírito Santo?
Logo começamos entendendo que Deus regala seus servidores não para poupá-los, mas para robustecê-los e dispô-los a maiores esforços. Assim tem cuidado e dá de comer a seu cavalo o viajante, para dar-lhe forças no caminho, e assim arma e treina o capitão a seus soldados, para levá-los a enfrentar o maior perigo. E deste modo, o que assim for visitado por Deus, nem por isso se tenha por mais seguro, mas antes por convocado e designado para maior perigo.
Daí é conveniente considerar como, antes de que o Salvador desse princípio à pregação do Evangelho, ele se preparou e jejuou quarenta dias com a solidão e exercícios do deserto, para que tu entendas quão grande seja o assunto da salvação das almas, pois aquele Senhor, que era sumamente perfeito, sem ter disso nenhuma necessidade, se dispôs para ele com tão grandes treinamentos.
Por aqui também entenderão os que exercem este ministério, em que gênero de exercícios se hão de exercitar antes que comecem este empreendimento. Pois nenhum deve sair pregando publicamente sem, primeiro, se ter exercitado no segredo da contemplação. Como diz São Gregório: ninguém sai em segurança se, primeiro, não treinou dentro.
Portanto, é para se notar que três modos de vida virtuosa levam os santos: uma, puramente ativa, que, principalmente, se dedica a obras de misericórdia; Outra, puramente contemplativa, mais perfeita do que esta, que se ocupa dos exercícios de oração e contemplação, a não ser que a necessidade e a caridade peçam outra coisa. Outra há mais perfeita do que esta, composta de ambas, que tem o um e o outro, como foi a vida dos apóstolos e que deveria ser a de todos os perfeitos pregadores.
Pois a ordem que se há de ter nestas vidas, segundo São Boaventura, é que, geralmente falando, ninguém deve passar à segunda, sem se ter exercitado na primeira, nem à terceira, sem se ter exercitado na segunda. Porque, como diz São Gregório, os verdadeiros pregadores hão de recolher na oração o que derramam na pregação. De sorte que a principal mestra dos verdadeiros pregadores – depois dos estudos para isto necessários- há de ser a solidão, onde Deus fala ao coração palavras que saiam do coração, e revela os segredos da sabedoria aos verdadeiros humildes.
Amemos pois a solidão, que o Senhor santificou com o seu exemplo: porque quem não conversa com os homens, forçoso é que converse com Deus.
Ó miséria do tempo presente! Onde estão agora aqueles felizes tempos? Onde os desertos do Egito, de Tebas, da Cítia e da Palestina, cheios de mosteiros e de solitários? Onde está aquele deserto do qual falaram os profetas: Fará o Senhor que o deserto esteja cheio de deleites e que a solidão seja como um canteiro de Deus (Is 51,3)? Onde estão as flores sempre viçosas, ainda que plantadas em terra deserta e sem águas?
As duas asas do apóstolo
Mas, entrando neste deserto, convém que, com o próprio Moisés, subas ao monte. Isto é, que deixadas as baixezas da terra, levantes o coração às coisas do céu. Para o que serão necessárias duas asas: uma, a oração; outra, o jejum. Este é necessário para a própria oração, pois o ventre carregado de alimento não está habilitado a subir para o alto. Porque se, permanecendo no deserto, careces destas asas, já podes perceber a parte que te cabe na palavra do filósofo: Quem vive na solidão ou é divino ou é bestial.
Jejuou aquela carne santíssima (de Jesus), que não sabia que coisa fosse rebelar-se contra o espírito, para que a tua muito perversa carne jejue, ela que, como a fornalha da Babilônia, sempre levanta labaredas para queimá-lo (o teu espírito).
Olha como, dentre as obras exteriores, o Senhor começo pelo jejum: porque a primeira batalha do cristão é contra o vício da gula. E quem não vencê-lo, inutilmente lutará contra os outros.
Mas (Jesus) não somente jejuou, mas orou e combateu contra nosso adversário. Tudo isto para nosso aproveitamento. A solidão, para nosso exemplo. A oração, para nosso remédio. O jejum, apara a satisfação de nossas dívidas. A peleja com o inimigo, para deixar ferido e debilitado nosso adversário.
Acompanha, pois, meu irmão, o Senhor a todos estes exercícios e esforços assumidos por tua causa, pois aqui estão sendo tratados teus assuntos e sendo pagos os teus delitos. Imita, em tudo o que puderes, a este Senhor: ora com Ele, jejua com Ele, de quando em quando mora com Ele na solidão, junta teus trabalhos e exercícios aos d Ele, para que, por este meio, sejam agradáveis a Deus.
Traduções e adaptações de R. Paiva, SJ
Fonte: www.vilakostkaitaici.org.br