Jesus viajou pouco. Uma boa parte de sua missão se desenvolveu às margens do Mar da Galileia, também chamado Lago de Genesaré. Algumas vezes foi a Jerusalém, teve contato com populações do outro lado do Lago, fez uma incursão em Tiro e Sidônia, um giro pela chamada Decápole e basta. No entanto, é a qualidade de seu relacionamento com as pessoas e situações que faz a diferença. Seus doze apóstolos e com eles os cerca de setenta e dois discípulos, mais algumas mulheres que caminhavam com ele, foram o grupo escolhido, tirado do meio da multidão, para espalhar o anúncio do Reino de Deus.
Os apóstolos eram gente simples. Cheios de qualidades e defeitos, muito parecidos conosco. Alguns pescadores, André, Simão Pedro, Tiago e João, chamados à beira do Lago, um Simão que fazia parte do grupo radical dos zelotas, gente ingênua como Filipe ou desconfiada como Bartolomeu. De Judas Tadeu dizem ter sido funcionário público, de Judas que foi o traidor. Tomé, que nos ajudou tanto com sua profissão de fé – “Meu Senhor e meu Deus!” – é conhecido como o homem de dúvida!
Em Mateus, cuja história é narrada no Evangelho com alguns detalhes (Mc 2,13-17), vem em relevo a fama de pecador e a profissão de publicano. É que as duas categorias andavam juntas, pois os publicanos com frequência tratavam com os não judeus e abusavam do cargo de coletores de impostos em nome dos romanos, pelo que eram odiados e classificados entre os pecadores. O chamado de Jesus supera preconceitos e convenções. A lista dos primeiros já mostra porque todos nós encontramos lugar!
O Senhor não pretende formar uma casta ilibada de homens e mulheres perfeitos. Ele chama decididamente a todos. Há lugar para os pecadores, quanto se reconhecem como tais. Não consegue entrar no Reino quem se incha de orgulho e olha do alto a plebe ignara! Outro publicano, aquele da oração ao lado do fariseu (Lc 18,9-14), na parábola contada por Jesus, encontrou a justificação justamente porque “quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado”. Parece até que Jesus prefere os mais fracos! Basta ver a multidão de estropiados, cegos, surdos-mudos, paralíticos, marginalizados de toda espécie, que dele se aproximam. Contudo, a preferência de Jesus não é pelo pecado, quanto pelo pecador. Deus abomina o pecado, mas ama com amor infinito o pecador. Contar vantagem dos próprios pecados ou crimes não é ser pecador. Há muitos outros adjetivos a serem atribuídos a tal situação.
O relativismo reinante em nosso tempo pretende nivelar tudo, sem discernimento. Qualquer palavra do Papa e dos Bispos em matéria moral é entendida como intromissão indevida num mundo em que vale tudo e em que se perdeu o sentido do pecado. Vale o exemplo das reações contra afirmações de Bento XVI na semana passada em audiência aos Diplomatas acreditados no Vaticano, quando disse que “a educação tem necessidade de lugares. Dentre estes, conta-se em primeiro lugar a família, fundada sobre o matrimônio entre um homem e uma mulher; não se trata duma simples convenção social, mas antes da célula fundamental de toda a sociedade. Por conseguinte, as políticas que atentam contra a família ameaçam a dignidade humana e o próprio futuro da humanidade”.
Para sermos “incluídos” na categoria de pecadores como se entende na Bíblia e na Igreja, alguns passos sejam dados, começando pelo reconhecimento das próprias limitações e fraquezas. Depois, a coragem de dizer que carecemos da misericórdia. Ora, para reconhecer-se pecador é necessário tomar consciência do que é o pecado, ou seja, saber que existe pecado.
O pecado é uma falta contra a razão, a verdade, a reta consciência. É uma falha contra o verdadeiro amor para com Deus e para com o próximo, por causa de um apego perverso a certos bens. Fere a natureza do homem e atenta contra a solidariedade humana. O pecado é uma ofensa a Deus, é contrário ao amor que Deus nos tem e afasta dele os nossos corações. É uma desobediência, uma revolta contra Deus, pela vontade de os homens se tornarem como deuses, pretendendo conhecer e determinar por si próprios o que é bem e o que é mal (Gn 3, 5), ignorando a lei inscrita por Deus na consciência. Ele é o amor de si próprio levado até ao desprezo de Deus. Por esta exaltação orgulhosa de si mesmo, o pecado é diametralmente oposto à obediência de Jesus, que realizou a salvação (cf. Catecismo da Igreja Católica, números 1849-1851).
O pecado manifesta a sua violência e a sua multiplicidade: incredulidade, ódio assassino, rejeição e escárnio por parte dos chefes e do povo, covardia de Pilatos e crueldade dos soldados, traição de Judas tão dura para Jesus, negação de Pedro e abandono dos discípulos. No entanto, o sacrifício de Cristo torna-se a fonte de onde brotará, como fonte inesgotável, o perdão dos nossos pecados.
Reconhecer o pecado à luz da misericórdia de Deus gera então o passo dado por Mateus, o dever de deixar a vida passada e andar na companhia de Jesus, pois o processo de conversão é longo e exigente. Nele será necessária a ajuda mútua entre irmãos e irmãs de fé, para que todos tenham a força para perseverar até o fim. Mas a alegria do perdão resplandece desde o primeiro momento. É a festa do encontro com Deus!
Para viver assim, peçamos com a Igreja: Ó Deus, atendei como pai às preces do vosso povo; dai-nos a compreensão de nossos deveres e a força de cumpri-los!