Filosofia

Edith Stein e a empatia

O sentir com o outro

Em tempos de relações líquidas, assimétricas e descontínuas, os seres humanos parecem estar à deriva: perdidos diante de si mesmos e do mundo. Clamam por relações que possam ser atravessadas até o fim, ou seja, vividas plenamente.

Vida e obra de Edith Stein

É a partir desse clamor que surge a concepção do termo empatia. Esse termo provém do grego empatheia, que significa não apenas compadecer-se da miséria do outro, mas, sobretudo, colocar-se na posição do outro. Trata-se de uma vivência muito particular que a filósofa e santa da Igreja Edith Stein soube analisar fortemente, embora nem sempre se utilizando de uma definição fechada ou do termo propriamente dito, mas tomando como base as investigações de seu professor Husserl e suas experiências de vida que a projetaram neste campo das relações humanas.

Para compreender a extensão de seu entendimento acerca da empatia, é preciso, antes, visualizar, ainda que panoramicamente, a vida dessa mulher.

Créditos: Jacob Wackerhausen / GettyImages

A busca pela verdade e a conversão

Edith Stein nasceu no ano de 1891, em Breslávia, antiga Alemanha (e atual Polônia), em uma numerosa família de origem judaica. Ainda jovem, perdeu o pai e foi criada pela mãe, que era uma grande exemplar na observação dos ritos do judaísmo e que zelava severamente para que todos os filhos seguissem seu exemplo. Durante a sua adolescência, Edith Stein passa por uma crise de fé, afastando-se assim das práticas judaicas, contudo ainda mantendo viva em si a busca constante pela verdade.

Em 1911, começa a cursar, na universidade de Breslávia, os cursos de Língua Alemã, Psicologia, Filosofia e História. Tendo um especial interesse pela Filosofia, optou pelos estudos na área de Fenomenologia com o grande filósofo Edmund Husserl, mudando-se temporariamente para Freiburg. Em 1915, gradua-se e, logo em seguida, com o início da Primeira Guerra, trabalha como enfermeira voluntária na Cruz Vermelha. No ano seguinte, ainda antes do fim da Guerra, retorna à sua cidade natal e trabalha como professora e, simultaneamente, escreve seu doutorado ‘Sobre o problema da Empatia’.

Em 1920, passa por uma dolorosa crise interior, e, lendo a obra ‘Livro da Vida de Santa Teresa d’Ávila’, diz ali ter encontrado a Verdade. Com o incentivo de amigos, converte-se ao catolicismo e, 13 anos depois, decide ingressar no Carmelo. Torna-se então a irmã Teresa Benedita da Cruz, mantendo ainda a permissão de sua superiora para continuar a escrever a sua obra filosófica mais importante: ‘Ser finito e Ser eterno’.

Em 1938, faz seus votos perpétuos e logo foge para a Holanda, pois, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, é perseguida por ter origem étnica judaica. Começa a escrever a sua obra espiritual mais importante: ‘A Ciência da Cruz’. Em 1940, os nazistas ocupam a Holanda, e Stein é levada para o campo de concentração em Auschwitz. Em 1942, morre na câmara de gás. Três dias antes de sua morte, havia dito: “Aconteça o que acontecer, estou preparada. Jesus está aqui conosco”. Por seu heroísmo e exemplo de vida cristã, em 1998, é canonizada pelo Papa João Paulo II sob o nome de Santa Teresa Benedita da Cruz.

A experiência da empatia

Contemplando a vida de Edith Stein, percebemos que, mesmo em meio a crises e perseguições, ela desenvolveu, ao longo dos anos, uma abertura ao outro, na medida em que se pôs no lugar daqueles que, de alguma forma, sofriam, especialmente nas Guerras. Ela compreendeu que a empatia é uma vivência que deve ser atravessada. E para que isso seja possível, é necessária uma análise séria e rigorosa sobre a pessoa humana. A empatia deve ajudar com essas relações que se encontram à deriva, quando a pessoa não tem a plena posse da sua corporeidade ou da dimensão psíquica. Assim, à medida que me conheço, conheço melhor o outro; e à medida que conheço o outro, conheço melhor a mim mesmo, numa relação bilateral e simultânea.

Essas relações são vividas em um tempo e espaço precisos. Caso contrário, correríamos o risco de viver apenas a ideia da relação, de viver as relações como projeções ou como uma forma de submissão ou domínio. É por essa razão que a ideia de empatia de Edith Stein exige a plena consciência e a plena aceitação de si mesmo. Somente assim o outro deixará de ser apenas um instrumento para mim, e se tornará alguém semelhante a mim em dignidade, com qualidades e defeitos assim como eu, mesmo sendo diferente de mim.

O caminho para a empatia

Fundamentalmente, nunca chegaremos a alcançar os outros se antes não tivermos a coragem de alcançar a nós mesmos. É preciso ser capaz de sentir com o outro, e para isso Stein nos lembra que possuímos uma arma importante: a Graça. Quanto mais a pessoa se expande e se conhece sob a ação da graça divina, mais ela se humaniza, aperfeiçoando-se na configuração à pessoa de Cristo. É essa perfeição existencial suprema da pessoa humana pela qual deve se orientar o ato empático.

Inspiração para o presente

Que Edith Stein, ou melhor, Santa Teresa Benedita da Cruz, nos inspire nessa busca do conhecimento pessoal e do conhecimento do outro para podermos assim vivenciarmos as nossas relações de forma empática em nossas comunidades.

Santa Teresa Benedita da Cruz, rogai por nós!

Manuele Porto Cruz – Mestre em filosofia pela Universidade de Brasília, tendo como tema da dissertação de mestrado: “Pessoa, Comunidade e Empatia em Edith Stein”.