Conta-se que um jovem conseguiu encontrar o refúgio secreto de um antigo monge oriental, o último a dominar uma arte marcial há tempos perdida. Depois de ser expulso seguidas vezes, a perseverança e humildade do rapaz convenceram o velho mestre a lhe dar uma chance.
– O treinamento comigo vai ser duríssimo, rapaz, e saiba que eu não tolero menos que a perfeição. Só diga sim se você estiver disposto a ser o melhor lutador, não importa quanto custe, quanto suor, sangue e lágrimas você derrame no tatame.
O jovem asseverou que estava disposto a qualquer sacrifício e que ambicionava ser um lutador perfeito.
As lições de um lutador perfeito
Assim que o mestre começou a primeira lição, percebeu que o seu discípulo tinha problemas gravíssimos a serem resolvidos: ele não tinha nenhum preparo físico, era fraquíssimo, as tentativas de briga na rua criaram muitos vícios nos seus movimentos. O ancião começou do zero e, com muita paciência, ensinou exercícios básicos e após alguns anos o seu aluno havia dominado os rudimentos da arte marcial e já poderia ser considerado, aos olhos de qualquer pessoa de fora, um lutador competente.
Mas ele queria mais, e pedia que o velho professor fosse cada dia mais exigente, para ele corrigir as muitas pequenas falhas que ele ainda percebia em si mesmo e outras que era o mestre quem o ajudava a ver: um braço retraído demais no soco cruzado, a falta de elasticidade nas pernas, que faziam seu chute não ir tão rápido, certo comodismo nos movimentos de esquiva, que o tornavam um pouco lento… Foram longos anos até ele corrigir essas falhas menores, e quando o mestre achou que ele não fosse ter paciência para a última etapa, o aluno mostrou-se realmente digno da empreitada que se propôs:
Ele não tinha mais defeitos graves nem leves, apenas pequeníssimas imperfeições e mesmo assim insistiu em continuar treinando com o mestre até que não restasse a mínima falha, o menor vício, a mais imperceptível limitação, para, enfim, tornar-se um lutador perfeito.
E quando o treinamento chegar ao fim?
Muitos anos se passaram – o jovem, que nem era mais tão jovem, não lembrava mais com que idade chegara ali – até que um dia, ao sentar-se para tomar o café da manhã, seu mestre lhe disse que o treinamento havia terminado. O rapaz ficou feliz, mas não era como ele imaginara que seria. Já há um bom tempo ele deixara de pensar que dia chegaria ao fim do seu treinamento e se concentrava apenas em ser um lutador melhor.
– A grande maioria dos alunos sequer vence a primeira etapa do treinamento, quando é necessário superar os defeitos mais graves e dominar o básico da arte marcial. Preferem ficar na vida antiga, sem disciplina e sem esforço, explicava o mestre.
– Um número ainda menor passa para a segunda etapa, que consiste em eliminar os defeitos pequenos. É uma fase de polimento, que costuma demorar muito e cujo progresso é quase imperceptível.
– Pouquíssimos chegam aonde você chegou, pois veem as próprias imperfeições como maneirismos, estilo pessoal, e o orgulho os cega. Você foi dócil, humilde e perseverante. Essas características me conquistaram, por isso hoje posso dizer que você é um lutador perfeito.
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Ainda não entendeu sobre o que é o texto?
A nossa vida espiritual precisa passar por esses três estágios para alcançar a perfeição, nos ensinam os santos. É preciso em primeiro lugar libertar-se da escravidão aos pecados graves, luta que infelizmente a maioria sequer chega a travar. Essa primeira fase consiste, portanto, em manter-se em estado de graça, e é conquistada com a visita constante aos sacramentos, com muita oração e com o indispensável auxílio da graça de Deus.
Depois entra a segunda etapa, que é o combate contra os pecados veniais, por menores que sejam. É uma luta lenta, gradual e muitos desanimam por acharem que não é necessária. Esse é o ponto de inflexão, ou seja, é exatamente aqui que a mentalidade do cristão muda, deixando de ser aquele pensamento do jovem rico (“Até hoje fui um fiel cumpridor dos mandamentos e isso me basta”) e passando a buscar aquilo que Paulo experimentou (“Vivo, mas não sou eu, é Cristo que vive em mim”). Ocorre aqui a mudança do “basta-me ser salvo” para o “quero ser santo”.
Mas não para por aí. Quem quer ser santo precisa lutar contra aquilo que sequer constitui pecado. São Francisco de Sales chama-as de inclinações naturais ou imperfeições, que nos levam a cometer faltas ou falhas, como a inclinação a falar demais, a ser ranzinza, a ter dificuldade em aceitar a opinião dos outros etc. Para ser santo, ele ensina à Filoteia, é preciso purgar-se até mesmo dessas más inclinações, se não luto contra elas, deixo o terreno preparado para cair em pecados veniais e vou enfraquecendo a minha alma, deixando-a frouxa, mole, frágil, e a qualquer momento posso voltar lá para o princípio, caindo no abismo do pecado mortal.
A título de exemplo, se percebo que tenho uma inclinação para falar demais e deixo de encarar como uma imperfeição e passo a dizer que é apenas “uma característica minha e ponto final”, vou deixando as rédeas soltas e surgirão oportunidades, por exemplo, para cometer pecados, como falar mal da vida do outro.
Mãos à obra, portanto, e nada de mediocridade! O treinamento que nos é proposto é “ou santos ou nada!”.
Nada de se contentar em ser um cristão meia tigela. Vamos lutar até o fim para alcançar o tesouro, que receberemos no céu.