No mundo à nossa volta – na família, na paróquia, nas estruturas da sociedade, no coração e na vontade dos homens e das mulheres, sobretudo dos crentes – parece que se perdeu o norte, o sentido do essencial. Andamos descentrados, alienados, desfocados, desintegrados. Ficamos no acessório, no acidental, no periférico, no prazer fútil, na agitação da vida, no que agrada e satisfaz apetites e gostos. Não nos centramos no essencial. Temos que voltar a ele, pois só ele nos sacia, nos preenche, nos faz viver a alegria e a paz do Ressuscitado. Precisamos repensar a vida e as coordenadas do nosso ser e do nosso agir.
O essencial, que é invisível aos olhos do corpo, só se enxerga com os olhos da alma e do coração. E, para isso, precisamos do silêncio e do recolhimento que nos ajudam a ver em profundidade, a saborear os matizes da vida de Deus e do Seu amor em nós e à nossa volta. Parece que a beleza da natureza, o rosto bonito da criança ou as rugas da face do idoso já não nos falam da vida, do amor criador, do encanto que nos extasia. Estamos a ficar vazios de valores éticos, valores religiosos, valores da arte e da técnica, que vêm de Deus Criador. Daí a urgência de voltar à oração e à contemplação, para que a alma descubra o essencial e se deixe conduzir por ele. Daí o recolhimento e o deserto na cidade, na vida cotidiana, para nos centrarmos na loucura apaixonada do amor de Deus. É que não nos damos conta do amor, não nos deixamos envolver por ele, não o desejamos como paradigma da vida, não nos encantamos e extasiamos com ele. Precisamos de buscar o essencial.
O mundo à nossa volta perdeu o sentido da esperança porque não reza, não se deixa envolver por Deus, não se alimenta da Palavra. E sem esperança, que é algo de essencial, andamos todos mais tristes, mais vazios de sentido para a vida e para o futuro, andamos alienados. Sem esperança, e Jesus Ressuscitado é a nossa esperança, ensina-nos São Paulo, ficamos uma «barata tonta», sem gosto de viver, sem sentido do caminho a percorrer, sem encanto que nos faça arder o coração, sem fogo na alma. Um desesperado é triste, vive amargurado, tem um rosto doentio, o coração vazio do essencial. Precisamos de ser sentinelas da esperança, buscando o essencial da vida… Sem desânimo, sem pessimismo, mesmo em meio à crise de valores, à crise econômica, às muitas crises da vida.
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O mundo à nossa volta perdeu o sentido do pecado. Tudo se pode fazer, pensar, realizar, passando o mal a ser bem, sem critérios de verdade, de justiça, de dignidade humana. Parece que já não importa matar o próximo, matar milhões de crianças praticando o aborto, esse crime abominável. Parece que já não se distingue a grandeza da castidade levada a sério, tomando com amor puro os compromissos assumidos diante de Deus e da Igreja. Como parece não ter valor o sacramento da reconciliação, celebrado e vivido com empenho e seriedade, como necessidade da consciência de que somos pecadores e de que o pecado precisa de ser perdoado.
Buscar o essencial deve significar, sempre, mesmo para aqueles que têm repugnância e dificuldade, estar numa atitude de filial obediência à Igreja, às suas normas, às suas orientações. A norma não é o que eu ou nós achamos, mas o «essencial» está na Mãe e Mestra que nos dá a graça de uma doutrina assumida na abertura ao Espírito Santo de Deus. Não fazemos a nossa lei, mas saibamos aderir ao que a Esposa de Cristo, com a autoridade dada por Ele, nos manda ou propõe. Não é este bispo ou padre que determina a norma geral da Igreja, mas o Papa, com a autoridade de São Pedro. E nós, sacerdotes, em filial docilidade ao Espírito, temos que assumir os compromissos renovados na Missa Crismal de Quinta-Feira Santa. Como afirmou o Papa na Missa desse dia, a renovação da Igreja, tão necessária e tão desejada por Jesus, nasce da obediência aos compromissos assumidos.
Os grandes inimigos da Igreja estão cá dentro, quando somos infiéis e não reconhecemos o nosso mau proceder, não temos humildade para assumir o nosso pecado, nem desejamos mudança e conversão, e nos pomos numa atitude de revolta contra a autoridade, de cedência nos grandes valores evangélicos, na falta sistemática de oração, de comunhão, de amor fraterno.
Buscar o essencial é voltar às fontes, às origens do nosso ser cristão e do nosso compromisso de consagrados levado a sério, com coragem, determinação e audácia. Sabendo que somos pecadores, frágeis, mas ter a ousadia santa de chamar mal ao mal, pecado ao pecado, infidelidade à infidelidade. O essencial é uma Pessoa, o Senhor Jesus Cristo, a Sua Palavra, as Suas bem-aventuranças, as Suas normas, o Seu amor, a Sua maneira de agir que deve pautar a nossa maneira de agir sempre e em tudo. Buscar o essencial é o caminho da santidade de vida, da integridade do nosso ser de homens e de cristãos, o caminho da fidelidade que passa pela retidão, a honestidade, a grandeza de alma, a nobreza de sentimentos.
Buscar o essencial é o único caminho que nos conduzirá à felicidade, que só Deus e a Sua graça podem dar. Não os falsos ou fúteis contentamentos que nos tocam, mas não enchem alma e o coração. Só se é feliz em Deus e na Sua vontade. Só se é feliz quando se é fiel. E a fidelidade nos é traçada pela boa consciência formada com os critérios da Palavra e da Igreja. O pecado, mesmo quando dá gozo e prazer, não dá felicidade nem alegria interior. Só a busca sincera e humilde do essencial é que nos dignifica e nos faz felizes com Deus e em Deus.
Buscar o essencial é encontrar alimento e norma de vida, grandeza de alma e de dignidade pessoal, na palavra do Papa Paulo VI quando, em Fátima, nos disse: «Homens, sede homens». Olhemos o mundo à nossa volta. Onde há crime, roubo, suborno, mentira, injustiça, calúnia, depravação moral e sexual não há «homens». Não há «mulheres», na dignidade das suas pessoas e dos seus atos, dos seus critérios, das suas opções e das suas vidas. E assim o essencial não se vive, não se descobre, não é norma de felicidade verdadeira e de dignidade que nos levam a caminhar para Deus e para a santidade. Busquemos o essencial.